Introdução
Há várias décadas, a escolarização dos alunos considerados com deficiência na França é marcada por profundas transformações relacionadas à desinstitucionalização e ao movimento em favor da inclusão escolar. Para os alunos surdos, as medidas de acessibilidade destinadas a garantir seus direitos e sua participação se somam às tensões históricas entre a ação individualizada sobre a deficiência auditiva e o reconhecimento de suas especificidades linguísticas. Essas tensões traduzem-se na diversidade das modalidades de escolarização atualmente propostas.
Este trabalho insere-se nos questionamentos do contexto educativo das crianças com deficiência e da escola inclusiva, interessando-se pela situação dos alunos surdos escolarizados em meio médico-social nos dias de hoje. Esse tema não foi objeto de análises aprofundadas nas ciências sociais, ao contrário do acompanhamento de jovens “do espectro autista” (Primerano, 2020), jovens com “distúrbios de comportamento” (Dupont, 2016) ou a recente evolução das “escolas para deficientes visuais” (Mithout, 2015). Dispositivo educacional fundador da categoria das crianças surdas1, o estabelecimento especializado foi estudado numa perspectiva histórica e sócio-histórica, particularmente entre o final do século XVIII e o início do século XX (Bourgalais, 2008; Buton, 2009; Cuxac, 1983; Encrevé, 2012; Presneau, 1998; Séguillon, 2017). Também foi abordado, numa perspectiva sociológica, por alguns trabalhos que exploram as transformações do panorama educativo das crianças surdas a partir da década de 1970 (Kerbourc’h, 2006; Mato, 2017). Contudo, as pesquisas que analisam os discursos e as experiências atuais dos pais de crianças surdas (Gobet, 2023b; Millon-Fauré et al., 2023; Rannou, 2018) e das próprias crianças (Bedoin, 2008; Feuilladieu et al., 2021; Galle, 2017) em matéria de escolaridade incidem principalmente na inclusão.
Partindo dessa constatação, o artigo questiona o lugar das instituições médico-sociais na experiência das crianças surdas e na de seus pais, além de se interrogar sobre o panorama educacional contemporâneo em relação às dinâmicas de inclusão e desinstitucionalização. Interessa-se, particularmente, pela forma como os profissionais e as famílias descrevem, justificam e qualificam a trajetória do aluno surdo em direção a um meio médico-social e dentro dele. A noção, atualmente central no setor médico-social (Dupont, 2021a), de “trajetória”, aqui empregada em um sentido próximo da sociologia da trajetória de vida (Bessin & Négroni, 2022), como um processo temporal que articula continuidades, rupturas e bifurcações, permite descompartimentalizar os locais de vida das crianças e compreender sua circulação entre diferentes dispositivos, incluindo os escolares.
Após a apresentação do contexto de estudo, o quadro conceitual será desenvolvido para explicar os principais questionamentos e articular a análise em torno da noção de (a)normalização. A seção metodológica detalhará o dispositivo da pesquisa qualitativa que permitiu produzir os dados utilizados neste artigo, oriundos de uma pesquisa de doutorado em sociologia (Dmitrieva, 2022). Os resultados serão então apresentados em duas etapas. Em primeiro lugar, a situação dos alunos surdos escolarizados em meio médico-social será abordada através do olhar dos profissionais da educação: como eles a caracterizam, tendo em conta as recentes transformações? Quais são suas principais dúvidas e interpretações? Em segundo lugar, as trajetórias e as experiências das crianças e de suas famílias serão abordadas com mais detalhes, adotando uma perspectiva experiencial. Se esse modo de escolarização se torna minoritário, isso significaria, porém, uma escolaridade “anormal” para as crianças surdas envolvidas?
Contextos histórico, conceitual e metodológico
Contexto histórico e atual da educação de crianças surdas
A educação de crianças surdas na França estrutura-se, desde o último terço do século XVIII, em torno de instituições que lhes são especificamente destinadas (Bourgalais, 2008; Buton, 2009; Delaporte, 2015)2. Duas concepções de ensino opõem-se. A primeira, herdada dos preceptores individuais, coloca no centro a aprendizagem da fala vocal. A segunda, conhecida desde o abade de L'Épée, privilegia os sinais para garantir a aquisição da língua escrita. Na sequência da reforma pedagógica3, a educação das crianças surdas é constituída como uma “atividade especial” (Buton, 2009), organizada em torno do método oral puro4 e distinta da instrução primária pública, no momento em que esta se torna gratuita, laica e obrigatória. A aproximação médico-educativa concretiza-se com a inscrição das crianças surdas na categoria de crianças “anormais” no início do século XX (Vial, 1990), e depois na infância “inadaptada” nos anos 1940 (Chauvière, 1980).
A partir da década de 19705, a deficiência impôs-se como um quadro de interpretação e de ação em relação às crianças surdas (Chauvière, 2018; Ville et al., 2020). As tensões entre os métodos “gestuais” e “orais” repetem-se em torno de duas perspectivas opostas sobre a surdez (Bedoin, 2018; Schmitt, 2012) e a criança surda: a criança com deficiência auditiva e a criança surda bilíngue (Dmitrieva, 2022). A primeira, o “oralismo moderno”, é representada pela mobilização dos pais de crianças surdas (Kerbourc’h, 2006; Mato, 2017; Mottez & Markowicz, 1979). A segunda corresponde ao Movimento Surdo, a favor da reabilitação da língua de sinais e da participação das pessoas surdas (Kerbourc’h, 2006). Embora ambas critiquem as instituições educativas tradicionais pela qualidade do ensino e pela sua capacidade de inserção social, divergem quanto às soluções propostas (Kerbourc’h, 2006; Mato, 2017). Uma delas privilegia a integração individual dentro do sistema nacional de ensino, apoiada no acompanhamento fonoaudiológico e na utilização de aparelhos auditivos. A outra desenvolve o projeto de educação bilíngue, associando o francês e a Língua de Sinais Francesa (LSF), e visa à abertura de turmas bilíngues no ensino regular.
Nas décadas seguintes, essas duas tendências contribuíram para moldar a educação das crianças surdas no contexto mais amplo da escolarização de crianças com deficiência (Caraglio, 2019; Revillard, 2020; Ville et al., 2020). Reafirmado pela lei de 1975, o princípio da escolaridade obrigatória apoia as medidas de integração escolar, enquanto um reconhecimento progressivo da LSF no ensino começa a se delinear no plano legislativo6. O “referencial” das políticas sociais francesas passa então da integração para a inclusão (Chauvière, 2018): a ação pública orienta-se em direção à uma educação inclusiva, em conformidade com as “injunções internacionais”7 (Ramel & Vienneau, 2016). A dinâmica é enquadrada por vários textos legislativos: a lei de 11 de fevereiro de 2005 para a igualdade de direitos e de oportunidades, a participação e a cidadania das pessoas com deficiência, que reconhece a LSF como “uma língua de pleno direito”; a lei de 8 de julho de 2013 de orientação e de programação para a refundação da escola da República; a lei de 26 de julho de 2019 para uma escola de confiança.
Nesse cenário, as instituições médico-sociais destinadas a crianças com deficiência são chamadas a se transformar. Para garantir o direito de cada criança à escolaridade, são criadas, nesses estabelecimentos, unidades de ensino8. Além disso, a “desinstitucionalização” é defendida em nível internacional (Conselho da Europa, 2010; CRPD, 2022). No entanto, esse conceito é objeto de debate (Hachez & Marquis, 2024; Henckes, 2024). Numa perspectiva sociológica, o termo «dessegregação» (Dupont, 2021a; Plaisance, 2014) parece mais adequado para designar a transferência de pessoas de instituições segregadoras para o direito comum e a sua inclusão «num quadro de vida e de escolarização regular» (Dupont, 2021a, p. 26). As transformações dizem respeito à individualização, à horizontalização dos acompanhamentos e à externalização das unidades de ensino (Dupont, 2021a).
Nesse contexto, a escolarização dos alunos surdos é organizada no ensino regular ou médico-social, de acordo com suas necessidades e escolhas linguísticas9. No ensino regular, o aluno surdo pode beneficiar-se de material pedagógico adaptado, de um AESH10 vinculado ao Ministério da Educação Nacional francês e do apoio de um serviço médico-social, o SSEFS11. Este último mobiliza vários profissionais: professor especializado, educador, fonoaudiólogo, psicólogo, intérprete de francês/LSF, codificador LfPC12 e mediador de comunicação13. A escolaridade pode decorrer em inclusão individual ou coletiva, seja através de um dispositivo coletivo da Educação Nacional francesa (PEJS14, Ulis15), seja numa unidade de ensino externalizada (UEE) de um INJS16 ou de um estabelecimento médico-social. Em ambiente médico-social, o aluno surdo pode beneficiar-se de assistência humana para a comunicação e de cuidados especializados, e seguir sua escolaridade em uma unidade de ensino interna (UEI) de um INJS ou de um estabelecimento médico-social.
No início do ano letivo de 2023, na França, 534.900 alunos com deficiência estavam escolarizados, dos quais 85,5% no ensino regular, 12,5% em instituições hospitalares ou médico-sociais e 2,1% em escolaridade compartilhada (DEPP, 2024; DREES, 2024). Dentre eles, 7.841 alunos surdos de 10.483 (ou seja, 74,8%) estavam no ensino regular (DEPP, 2024), a maioria em inclusão individual, com ou sem acompanhamento específico (Colin et al., 2021). Em termos quantitativos, os efeitos da política de inclusão escolar são evidentes: o número de alunos com deficiência no ensino regular triplicou desde 2005 (DEPP, 2006). No entanto, “ser incluído não significa [...] simplesmente estar dentro” (Dupont, 2021a, p. 198). Os efeitos permanecem discutíveis em termos de acessibilidade à aprendizagem e aos percursos escolares (Bouchet, 2022; Cour des comptes — Tribunal de Contas francês, 2024; Ebersold, 2021; Lansade, 2021), e de acessibilidade linguística para alunos surdos (Gobet, 2023b).
As instituições destinadas a crianças surdas estão se reconfigurando “para se manterem” diante da política inclusiva (Mato, 2017, p. 260). Dentre elas, os quatro INJS17 foram objeto de um relatório ministerial em 2018 (Ferreira de Oliveira et al., 2018), que observa a evolução da oferta educacional com o desenvolvimento das UEE e dos dispositivos de acompanhamento da inclusão, bem como a evolução do público atendido. O recrutamento amplia-se para transtornos específicos da linguagem e da aprendizagem (TSLA) e diz respeito a um número cada vez maior de alunos considerados com deficiências ou transtornos associados18. Dos alunos dos INJS, 40% (ou seja, 299 de 746) estão escolarizados em UEI, uma porcentagem que aumenta com o nível de ensino: 14% no ensino fundamental I19, 47% no ensino fundamental II20 e 51% no ensino médio e na educação profissional e técnica. Embora essa orientação seja motivada por um nível escolar considerado baixo, o perfil dos alunos evolui para dificuldades mais acentuadas, “os alunos mais adaptados ao meio regular permanecendo na inclusão” (Ferreira de Oliveira et al., 2018, p. 38). Ainda que as instituições não se transformem da mesma forma nem ao mesmo ritmo, a escolaridade fora do ensino regular parece ser um modo de escolarização destinado a se tornar minoritário e uma exceção à norma de inclusão que se impõe. As duas seções a seguir apresentam o quadro conceitual e o dispositivo de pesquisa de campo que permitiu estudar a situação dos alunos surdos matriculados em UEI no contexto atual.
Quadro conceitual: (a)normalização nas experiências das crianças surdas
O quadro conceitual, construído de forma indutiva ao longo da análise, articula-se em torno de um questionamento sobre os processos de normalização nas trajetórias e no cotidiano das crianças surdas e de suas famílias. No campo da deficiência, o conceito de normalização surgiu com o movimento de normalização em favor da desinstitucionalização (Fougeyrollas, 2010), considerado um dos fundamentos sociológicos da inclusão escolar (Ramel & Vienneau, 2016). Iniciado nos países escandinavos na década de 1950, esse movimento foi formalizado pelos trabalhos de Bengt Nirje, promovendo uma vida o mais próxima possível das condições ditas normais para pessoas com deficiência. Esses princípios, aprofundados e reformulados nos Estados Unidos por Wolf Wolfensberger (1972), marcaram as políticas e as práticas institucionais (Flynn & Lemay, 1999). No entanto, pensada em referência às normas existentes, a normalização foi alvo de críticas no âmbito dos Disability Studies e dos Critical Disability Studies (Chappell, 1992). A normalidade, cujo caráter situado foi demonstrado, é considerada uma construção social opressiva a ser desconstruída em favor da diversidade (Cryle & Stephens, 2017; Davis, 1995, 2013). Na educação, alguns autores falam de “desnormalização” para designar uma abordagem que questiona as normas estabelecidas e visa transformar o ambiente escolar e social (Pekarsky, 1981), numa dinâmica de inclusão (AuCoin & Vienneau, 2015).
A perspectiva adotada neste trabalho permite repensar e ampliar o conceito de normalização, para além de um alinhamento às normas vigentes. A normalidade é aqui conceituada a partir dos trabalhos de Myriam Winance (2004, 2016, 2019), que articulam as contribuições da sociologia das técnicas, dos Critical Disability Studies e da ética do cuidado (Care Ethics). Definida de forma relacional, a normalidade não é uma característica, nem um estado a priori de uma pessoa. Ela se constrói como um equilíbrio entre a semelhança com os outros, manifestada no “fazer”, e a diferença que qualifica o “ser” (Winance, 2019). Ela resulta de processos de normalização, incluindo o alinhamento a uma norma social predefinida, que abrange a diferença, e o trabalho sobre a norma, que, ao integrar a diferença, permite redefinir uma norma comum e produzir normalidades diferentes e múltiplas. Para a criança surda, esses processos dizem respeito, acima de tudo, à sua inscrição na linguagem: entre o alinhamento à norma majoritária, centrada nas línguas orais-vocais, e a reformulação dessa norma por meio das línguas de sinais. A normalidade surge, no dia a dia, por meio do “trabalho de normalização” em matéria de capacidades e qualificações. Realizado por diversos atores, esse trabalho consiste em negociar práticas cotidianas no âmbito da norma “ouvir” ou redefini-las, questionando seu enraizamento normativo. Paralelamente, as crianças fazem um esforço individual de “normificação” “para se apresentarem como alguém comum, sem [...] esconder sua deficiência” (Goffman, 1975, p. 44). A anormalização engloba, inversamente, as dinâmicas que não levam à “qualificação” (Winance, 2024) dos atores como “normais” e “válidos”. Questionar a escolaridade em meio médico-social nesses termos equivale a perguntar se ela favorece a produção de normalidade para esses alunos ou, pelo contrário, contribui para sua desqualificação.
Metodologia de estudo qualitativo junto a profissionais e famílias de alunos surdos em instituição médico-social
Os dados qualitativos utilizados referem-se a um instituto regional de pessoas surdas21, uma instituição médico-social localizada em uma grande cidade do sul da França22. Este artigo baseia-se em dados de entrevistas realizadas em duas partes. Dezesseis profissionais da educação e da área médico-social foram entrevistados entre 2012 e 202323, dos quais sete atuavam no Instituto. A tabela 1 apresenta essas sete pessoas – quatro professoras, duas chefes de serviço e uma coordenadora pedagógica – bem como outras profissionais citadas nos trechos.
Tabela 1. Apresentação das profissionais da educação e do setor médico-social.
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Nome |
Função |
Setor, estrutura (Instituto, quando aplicável) |
Data da entrevista |
|
Agnès |
Professora |
Centro de ensino profissional |
2014 |
|
Anaïs |
Professora-coordenadora |
Ulis – escola (Ministério da Educação Nacional) |
2023 |
|
Anne |
Chefe de serviço |
Seção dedicada às “deficiências associadas” |
2017 |
|
Babette |
Professora responsável |
Seção de ensino geral24, nível fundamental II |
2017 |
|
Christelle |
Coordenadora pedagógica |
SSEFS |
2017 |
|
Diane |
Professora |
SSEFS |
2017 |
|
Fanny |
Mediadora de comunicação |
SSEFS (fora do Instituto) |
2015 |
|
Fleur |
Chefe de serviço |
SSEFS |
2017 |
|
Martine |
Professora de educação física |
Seção de ensino geral, anos iniciais do ensino fundamental |
2017 (observações) |
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Nathalie |
Professora |
Seção de ensino geral, anos iniciais do ensino fundamental |
2017 |
Por outro lado, os relatos das famílias de crianças surdas, que estão no centro deste estudo, foram coletados por meio de entrevistas com 20 famílias, que têm, ao todo, 25 crianças surdas, cinco das quais frequentam o Instituto: Alaïa, Amir, Arianne, Mehdi e Odélie. As conversas com essas cinco famílias aconteceram entre 2016 e 202425. Foram realizadas sete entrevistas semiestruturadas, centradas na criança, na sua trajetória e na sua experiência: duas com ambos os pais, três somente com as mães e duas somente com os pais. Elas foram complementadas por duas entrevistas com outros membros da família presentes no local (tia e irmã de Amir). As crianças estiveram presentes nas entrevistas familiares, falando (Arianne, Odélie) ou permanecendo à margem (Alaïa, Amir, Mehdi) (Giraud, 2023). Algumas crianças também foram encontradas em outros contextos além de suas casas (Mehdi): na sala de aula (Odélie), em uma excursão escolar (Alaïa, Odélie), na clínica do profissional de próteses auditivas (Alaïa), em um grupo de adolescentes no SSEFS (Arianne) e no parquinho (Amir). As principais características das crianças são apresentadas na tabela 2. São dois meninos e três meninas, todos com surdez profunda, exceto Arianne, que tem surdez média. É importante ressaltar que seus perfis são menos variados do que o conjunto das crianças estudadas. Todos eles vêm de famílias ouvintes26, estão vivendo um processo migratório (Alaïa, Mehdi), com pelo menos um dos pais de origem estrangeira (Amir), cigana (Arianne) ou de um território ultramarino francês (Odélie). Quatro em cada cinco crianças (Odélie, Alaïa, Mehdi e Amir), com dificuldades em relação à linguagem oral-vocal27, aprendem a LSF como primeira língua, o que não corresponde à escolha inicial dos pais. Essa aquisição é qualificada como “tardia” (após os 5 anos) (Burgat et al., 2024).
Tabela 2. Apresentação das crianças surdas em escolaridade interna e de suas famílias.
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Características |
Alaïa |
Amir |
Arianne |
Mehdi |
Odélie |
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Ano de nascimento |
2010 |
2012 |
2000 |
2008 |
2008 |
|
Sexo |
F |
M |
F |
M |
F |
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Rastreio neonatal da surdez |
Não |
Sim |
Não |
Não |
Não |
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Idade do diagnóstico |
3 anos |
1 mês |
2 anos |
cerca de 3 anos |
2,5 anos |
|
Dispositivo técnico (tecnologia assistiva) |
ICa aos 5,5 anos e aparelhob |
2 IC: aos 16 meses e aos 3,5 anos |
2 aparelhos |
IC aos 6 anos |
IC aos 3 anos |
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Modo de comunicação preferido pela criança |
Sinaisc |
Sinais |
LFd |
Sinais |
LSF |
|
Línguas faladas em família |
Árabe, sinais, LF (exceto mãe), cabila*a |
LF, LSF, árabe* |
LF, espanhol* |
LF, LSF, árabe* |
LF, LSF |
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Acompanhamento especializado |
Fonoaudiólogo |
Fonoaudiólogo, psicomotricista |
Fonoaudiólogo |
Fonoaudiólogo |
Fonoaudiólogo |
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Situação auditiva dos pais |
Ouvintes |
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Origem dos pais |
Argélia |
Iêmen |
Pai de origem cigana |
Argélia |
Polinésia Francesa |
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Profissão dos pais |
Sem atividade profissional |
Mãe: secretária, diploma universitário (Bac+5 - nível mestrado)f (Pais separados) |
Mãe: auxiliar doméstica, CAPg Pai: gestor de HLM28, CAP |
Mãe: sem atividade profissional Pai: comerciante na Argélia |
Mãe: monitora disciplinar no fundamental II, CAP Pai: militar, DNBh |
|
Irmãosi |
2 irmãos (+8, +4 anos), 1 irmã surda (-3 anos) |
1 irmã (+1 ano), 1 irmão (-3 anos) |
1 irmão (-7 anos) |
1 irmã (+2 anos) |
1 irmão (-8 anos) |
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Datas das entrevistas/ observações |
2016, 2017/ 2015, 2017, 2019 |
2021/ 2021 |
2017/ 2015 |
2017/ 2017, 2021 |
2022, 2024/ 2017, 2019 |
a IC: Implante coclear. Ao contrário dos aparelhos auditivos tradicionais, que amplificam o som, o implante coclear permite a transmissão do som por meio da estimulação elétrica direta do nervo auditivo.
b Aparelho: aparelho auditivo externo.
c Sinais: uso de sinais, sem estrutura própria de uma língua; distinto da LSF, que possui estrutura, sintaxe e vocabulário próprio (Rannou, 2018, p. 365).
d LF: Língua francesa (oral).
e As línguas assinaladas com um asterisco estão presentes no ambiente familiar, sem serem utilizadas diretamente com a criança surda.
f Bac: Baccalauréat, diploma que certifica a conclusão do ensino secundário e dá acesso ao ensino superior.
g CAP: Certificado de Aptidão Profissional, diploma do ensino secundário francês voltado para a qualificação profissional em uma área específica, cuja formação pode ser iniciada a partir da troisième (último ano do ensino fundamental II).
h DNB: Diploma Nacional do Brevet, diploma do ensino secundário francês que atesta os conhecimentos e competências adquiridas ao final do ensino fundamental II.
i Fratria: Ouvintes, salvo indicação específica.
Além disso, a presença da pesquisadora no Instituto, no período de maio a junho de 2017, formalizada por um acordo entre o Instituto e a formação doutoral no âmbito de um “estágio de observação”, permite contextualizar os dados das entrevistas. No momento em questão, o Instituto acompanha 250 crianças e jovens, em inclusão individual, pelo SSEFS, ou em inclusão coletiva, em uma UEE bilíngue29. No entanto, uma proporção significativa de alunos é escolarizada no local, em um dos três serviços: a seção de ensino geral (ensino fundamental I e II “internos”), o centro de ensino profissional a partir dos 15 anos30 e a seção para crianças surdas com “deficiências associadas”31. Em diferentes momentos de suas trajetórias, três crianças do estudo foram escolarizadas no primeiro serviço (Alaïa, Amir, Odélie), observado durante o “estágio”; duas jovens cursaram a formação profissional (Arianne, Odélie) e uma criança foi atendida no serviço dedicado às deficiências associadas (Mehdi). A tabela 3 apresenta, de forma sintética, os percursos escolares dessas crianças. Durante o “estágio”, alguns dos dossiês escolares (de Odélie e Mehdi) também foram consultados.
Tabela 3. Trajetórias escolares das crianças estudadas.
a MS: Seção média da educação infantil (pré-escola francesa), 2º ano (4-5 anos).
b PS: Seção pequena da educação infantil (pré-escola francesa), 1º ano (3-4 anos).
c CP: Curso preparatório, 1º ano do ensino fundamental I (6-7 anos).
d CE2: Curso elementar 2, 3º ano do ensino fundamental I (8-9 anos).
Descrição: A Tabela 3 apresenta as trajetórias escolares dos cinco alunos surdos, entre a inclusão individual, a inclusão coletiva e o Instituto. Aqui está uma breve descrição dessas trajetórias: Alaïa: em MS aos 5 anos, 2 anos de inclusão individual com AESH; ensino fundamental interno aos 7 anos. Amir: em PS aos 3 anos, 3 anos de inclusão individual com AESH, repetiu a MS; Ulis aos 6 anos, 2 anos de inclusão coletiva com AESH individual e SSEFS (no 2º ano); ensino fundamental interno aos 8 anos. Arianne: em PS aos 3 anos, inclusão individual até o final do ensino fundamental com SSEFS a partir do CE2; formação profissional no Instituto aos 16 anos (CAP Petite enfance). Mehdi: em CP aos 6 anos, 1,5 hora por dia com AESH durante meio ano; meio ano em Ulis; seção para deficiências associadas aos 7 anos. Odélie: PS aos 3 anos durante 2 meses (até o diagnóstico de surdez); instituição no nordeste da França dos 3 aos 6 anos; UEE do Instituto aos 6 anos; primário interno aos 7 anos; Ulis collège (ultramar) aos 12 anos, durante 2 anos; formação profissional no Instituto aos 14 anos (CAP Petite enfance).
Esses dados permitem abordar o ponto de vista dos profissionais sobre a situação das crianças escolarizadas no Instituto, antes de aprofundar a análise por meio do estudo de caso, oferecendo uma compreensão mais detalhada das trajetórias e dos processos de (a)normalização vividos pelas crianças.
Os alunos surdos na escolaridade “interna” do ponto de vista dos profissionais da educação: crianças (postas) em dificuldade
Nas últimas décadas, importantes transformações inseridas no contexto descrito afetaram a população de alunos acolhidos no Instituto. Embora exista um serviço específico dedicado às deficiências associadas, o impacto da tendência de externalizar o ensino sobre a seção de ensino geral é duplo, quantitativo e qualitativo. O número de alunos está diminuindo: em 2016-2017, o ensino fundamental I contava com dez alunos, divididos em duas turmas, enquanto o ensino fundamental II passou de treze para oito jovens no início do ano letivo de 2017-2018. Agora, essas turmas recebem crianças com grandes dificuldades, tanto em termos de comunicação quanto de escolaridade, cuja situação interpela as profissionais entrevistadas:
Naquela época, eram turmas de verdade, com grupos de vinte pessoas, mas todas eram surdas. Agora são grupos de cinco ou seis, porque há problemas comportamentais, as coisas mudaram. [...] Em setembro, haverá muitos ingressos: Shamila, Kylia... Não há nenhuma deficiência visível, mas há uma deficiência mesmo assim: nenhuma comunicação, grandes atrasos. [...] Agora, todos os surdos que conseguem acompanhar [a escolaridade] estão em integração32. (Martine, professora de educação física, diário de campo, 24 de maio de 2017)
A ausência de linguagem na chegada ao Instituto é uma questão recorrente, que suscita inúmeras indagações. A exemplo de Martine, algumas profissionais presumem a presença de transtornos e deficiências associadas nessas crianças que não “se sustentam” na inclusão, essencializando e individualizando, assim, o problema. Outras, por sua vez, questionam os percursos desses jovens e o processo pelo qual vão sendo progressivamente colocados em dificuldade, bem como seus contextos familiares.
Trajetória das crianças: uma chegada “tardia” ao Instituto
A chegada ao Instituto, considerada tardia — diretamente no ensino fundamental I, sem passar pela educação infantil, ou então no ensino fundamental II — é o primeiro elemento explicativo resultante das declarações das professoras:
Há muitas crianças que saem [do Instituto] com grandes dificuldades, especialmente em francês e matemática [...]. Acho que elas chegam muito tarde às nossas escolas... (Nathalie, professora especializada, 2017)
Alguns alunos são considerados recém-chegados: vindos de países estrangeiros, eles nunca foram escolarizados, ou foram de forma esporádica, ou mesmo em outro idioma. Muitas vezes, seu acompanhamento médico e especializado começa na França, mais tarde do que o atendimento precoce, hoje normalizado. No entanto, muitos começaram sua trajetória escolar no ensino regular:
Temos, de fato, muitas crianças que passaram pela [...] escola do bairro, [...] acompanhamento no CAMSP33 em paralelo, sessões de fonoaudiologia. [...] Depois de um tempo, os pais percebem que não está funcionando, que seu filho começa a se comportar de maneira inadequada, ou seja, a ser malvisto pelos professores [...] e pelos colegas, porque ele não progride, não se integra e se torna problemático na sala de aula. É nesse momento que, na verdade, em desespero, os pais nos trazem seus filhos, um pouco desamparados, dizendo: “Façam o que puderem”. Porque temos crianças que chegam aos seis, sete, oito, até nove ou dez anos sem nenhuma língua construída, sem... meios de se expressar corretamente, com, digamos, distúrbios de comportamento, mas relacionados a essa incapacidade de dizer as coisas e de entender o que está acontecendo ao seu redor. (Nathalie, professora especializada, 2017)
Como também sugere o relatório sobre os INJS, essa solução pode ser considerada ao final de um percurso de inclusão individual marcado por “grandes dificuldades, ou mesmo [um] fracasso. Esse é particularmente o caso a partir dos 12 anos, na idade do ensino fundamental II.” (Ferreira de Oliveira et al., 2018, p. 38) A reorientação para o Instituto surge então como uma “última solução” (Babette, professora responsável, 2017), que não corresponde à escolha inicial da família. Ela ocorre tardiamente, no sentido de que a escolarização no ensino regular, sem resultados por alguns anos, agrava os atrasos:
Muitas vezes são jovens que perderam tempo e acabamos por orientá-los pela idade. Porque chega um momento em que eles são muito velhos para permanecer no ensino fundamental I ou II [...] e, por isso, aceitamos orientá-los. (Babette, professora responsável, 2017)
Observa-se um descompasso significativo entre a idade cronológica e o nível de conhecimentos e competências desses alunos, apreendido aqui através das trajetórias individuais. Isso leva a um acúmulo de dificuldades e também pode induzi-las, pois crescer “sem uma exposição de qualidade a uma língua plenamente acessível” (nossa tradução, Glickman & Hall, 2019, p. 2) pode ter consequências graves. O papel crucial da linguagem no desenvolvimento da criança, já mencionado por Nathalie, é destacado por Anaïs, professora-coordenadora da Ulis, dispositivo que antecede a entrada no Instituto para alguns alunos:
Tenho muitas crianças que são [...] privadas de linguagem, pois não possuem nenhuma língua, nem a língua de sinais, nem a língua francesa, [...] nem a língua dos pais estrangeiros. [...] Tenho certeza de que, se [...] alguns dos alunos que tenho [...] tivessem sido expostos à língua de sinais quando pequenos, não estariam na Ulis. Talvez tivessem dificuldades com a língua francesa oral, mas as superariam e, acima de tudo, teriam a possibilidade de acompanhar toda a aprendizagem da sua idade, o que não ocorre atualmente. (Anaïs, professora-coordenadora, 2023)
Este trecho evoca, sem nomeá-lo, um tema emergente na saúde mental das pessoas surdas (Deaf mental health): a privação linguística e seu impacto incapacitante e alterador, estudados como “síndrome de privação linguística”34 (Glickman & Hall, 2019). Nessa perspectiva, o argumento de chegada tardia ao Instituto questiona o contexto linguístico dos alunos, em particular a acessibilidade a uma língua nas etapas anteriores de sua trajetória, correspondente ao período “crítico”35 de aquisição da linguagem (Burgat et al., 2024) .
Um ambiente familiar “em dificuldade”: posturas parentais consideradas problemáticas
Além dos alunos encaminhados tardiamente para o Instituto, muitas vezes, apesar do projeto inicial, alguns, em menor número, chegam relativamente cedo, mas enfrentam dificuldades consideráveis. De acordo com os profissionais, a explicação reside principalmente no contexto familiar, embora uma situação frágil e precária também possa afetá-los.
Tivemos poucas crianças que chegaram cedo [...], na educação infantil ou no primeiro ano do ensino fundamental I [...], sejam oriundas de famílias surdas, sejam oriundas de famílias ouvintes, mas com um irmão ou irmã mais velho(a) surdo(a). [...] A maioria dessas famílias é [...] muito carente socialmente, com grandes dificuldades educacionais e com um forte absenteísmo nos primeiros anos, com crianças que ficamos sem ver por dois ou três meses, [...] que se mudam de um dia para o outro, não sabemos onde estão, e que voltam algum tempo depois... com histórias familiares complicadas. [...] Como professor, poderíamos pensar: ‘Ótimo, eles chegaram cedo, temos uma margem de progressão que lhes permite adquirir uma linguagem um pouco mais construída, entrar no francês, na língua francesa escrita ou oral’. Mas não, isso não funciona, porque há todas essas dificuldades sociais ao redor, dificuldades cognitivas quase que induzidas pela situação. (Nathalie, professora especializada, 2017)
A relação com a instituição parece ser fundamental na definição do ambiente familiar: com pais “eles próprios sobrecarregados”, que “fazem o que podem com seus filhos, [...] com os meios que têm” (Babette, professora responsável, 2017), as relações são difíceis de construir. Trata-se também da distância, por vezes significativa, em relação à instituição escolar e às suas normas. Na medida em que “tudo o que é escolar [...] não tem muito valor” (Babette, professora responsável, 2017), essas famílias apresentam uma forma de “dissonância” entre a socialização familiar e a socialização escolar (Lahire, 2012). Vários pais têm um domínio limitado da leitura e da escrita36, e alguns não falam francês ou falam muito pouco. O “afastamento” das famílias “em relação às formas escolares de aprendizagem e cultura” pode levar ao fracasso escolar (Lahire, 2012, p. 81). No entanto, ao contrário das crianças ouvintes, nas crianças surdas, é o desenvolvimento da linguagem que está em jogo. Atualmente, a maioria das famílias opta pela língua oral-vocal37, inscrita no âmbito do acompanhamento multidisciplinar. A sua relação com a instituição médica pode, assim, afetar o sucesso do projeto linguístico.
Quatro tipos ideais de posicionamento dos pais de crianças surdas em relação aos diferentes serviços e profissionais podem ser distinguidos (Kirsch et al., 2021). As posturas “colaborativa”, “observância”, “especialista” e “crítica” refletem as diferenças na relação de confiança entre pais e profissionais e, consequentemente, no envolvimento dos primeiros e no reconhecimento de suas competências. A postura de colaboração, caracterizada pela confiança mútua e pelo envolvimento ativo, é valorizada na prática profissional, principalmente pelos fonoaudiólogos, que veem no empenho da família uma garantia de sucesso do projeto linguístico. Algumas professoras descrevem um quinto tipo de posicionamento: a postura de “distância”38. Diferente da postura de observância, em que os pais têm um papel passivo baseado na confiança na experiência profissional, ela se define pela ausência de confiança e/ou do envolvimento esperado. Essa postura pode expor as crianças ao risco de não se beneficiarem plenamente do acompanhamento proposto, especialmente em dispositivos “medicalizados” (Nathalie, professora especializada, 2017):
Acho que [a reabilitação, a implantação coclear e a inclusão no ensino regular] funcionam muito bem com algumas crianças, mas não com crianças cujas famílias não comparecerão às sessões de fonoaudiologia, nem ao acompanhamento importante da criança. (Nathalie, professora especializada, 2017)
Se a postura de distanciamento é vista como problemática quando contribui para as dificuldades ou desvantagens dos alunos, a postura de observância também o é, especialmente devido à falta de perspectiva dos pais em relação à expertise médica e especializada, o que pode alimentar sua visão centrada na deficiência e na incapacidade.
Assim, segundo as profissionais, dois elementos são determinantes para a situação dos alunos surdos no ensino fundamental I ou II interno, cuja orientação ocorre como último recurso para a maioria ou como medida preventiva para alguns. Trata-se, por um lado, de sua trajetória, que questiona a acessibilidade do ambiente linguístico e, por outro, de sua configuração familiar, em particular a relação dos pais com a instituição. Um ou outro desses elementos — ou mesmo a combinação de ambos — parece contribuir para as dificuldades enfrentadas por essas crianças. A seção seguinte permitirá refinar a análise desse modo de escolarização, integrando a perspectiva das famílias e das crianças surdas.
A orientação médico-social na perspectiva experiencial: retratos de crianças surdas escolarizadas no Instituto
Como o interesse do estudo de caso para aprofundar a compreensão dos fenômenos sociais não precisa mais ser demonstrado (Becker, 2016), a abordagem adotada inspira-se nos trabalhos de Bernard Lahire (2012 [1995]). Uma série de cinco retratos de crianças surdas escolarizadas no Instituto permite revisitar os detalhes marcantes de suas trajetórias singulares, prestando atenção aos processos de (a)normalização que nelas se desenvolvem. Esses retratos familiares partem da singularidade de cada criança para destacar as questões complexas e as dinâmicas mais amplas que moldam suas experiências, ao mesmo tempo em que as inscrevem em uma perspectiva de trajetória (Bessin & Négroni, 2022) .
Uma orientação para a formação profissional para manter o seu estatuto de aluno
Arianne: 17 anos39, surdez média, dois aparelhos auditivos, formação profissional, LF oral40; pais ouvintes, mãe auxiliar doméstica, CAP, pai gestor de HLM, CAP.
Em consonância com o discurso médico, a mãe de Arianne a descreve como “deficiente auditiva”. Com surdez moderada e aparelho auditivo, ela ouve relativamente bem, embora algumas situações, como conversas em grupo, continuem sendo difíceis. Por sua vez, Arianne não se considera deficiente auditiva, nem surda, mas “normal”, sem negar sua diferença. O trabalho de normalização passa por uma negociação coletiva das práticas familiares comuns para permitir que ela se aproxime da norma dominante de comunicação oral-vocal (por exemplo, posicionar-se de frente para ela para facilitar a “leitura labial”). Esse processo também envolve seu esforço habitual de usar os aparelhos, “ler” os lábios, acompanhar as sessões de fonoaudiologia...
No plano escolar, Arianne está em inclusão individual desde o jardim de infância até o final do ensino fundamental II. Desde o 3o ano do ensino fundamental I, é acompanhada por um SSEFS (fora do Instituto). No entanto, uma mudança de escola durante seu último ano do ensino fundamental II, devido a uma mudança de residência, constitui uma bifurcação, vivida por Arianne e sua mãe como uma ruptura em sua experiência escolar. Segundo elas, os professores do novo estabelecimento não se adaptam às suas necessidades, e ela tem dificuldade em encontrar seu lugar entre seus novos colegas. Após o ensino fundamental II, Arianne ingressa no centro de ensino profissional do Instituto para se preparar para um CAP Educação Infantil (petite enfance). Essa orientação impõe-se como sua única opção, devido às recusas de outras instituições, o que sua mãe atribui à sua “deficiência”:
Na verdade, não tivemos escolha. [...] Ela queria estudar educação infantil, fizemos inscrições em todas as instituições [da região], privadas, públicas e [...] todas a recusaram! [...] Sempre que tínhamos uma reunião [...], eles não falavam sobre os resultados escolares dela, [mas] apenas sobre a deficiência ! (mãe de Arianne, 2017)
No entanto, a mediadora de comunicação evoca dificuldades escolares preexistentes, associadas a problemas cognitivos e a um ambiente familiar pouco “favorável”, dificuldades essas acentuadas pela mudança de escola:
Ela estava numa escola onde o nível não era muito elevado, por isso não se saía mal, [...] mudou-se, mudou de escola e ficou completamente perdida, [...] a sua média baixou, deixou de se empenhar nos estudos. [...] Está com grandes dificuldades escolares [...]. (Fanny, mediadora de comunicação, 2015)
Continuar os estudos em uma instituição, sem que isso seja uma escolha real para a família, gera uma certa ambivalência. Essa orientação entra em contradição com as recomendações de um médico no início de sua trajetória: “Se um dia lhe disserem que ela precisa ir para uma escola especializada para crianças surdas e com deficiência auditiva, diga não” (mãe de Arianne, 2017). A escolha imposta parece poder anormalizar Arianne, que “nunca quis ser tratada como uma criança [com] uma deficiência”, “sempre quis fazer como todo mundo” e “nunca teve contato [...] com crianças [...] com deficiência auditiva ou surdas” na escola (mãe de Arianne, 2017). No entanto, ela já está sendo desqualificada em sua trajetória escolar devido aos seus resultados e à recusa das instituições. Esse retrato mostra, assim, a passagem do ensino regular para o meio especializado no ensino médio, o que se aproxima mais de uma normalização do que de uma desqualificação, sendo o principal desafio aqui escolar: Arianne evita a desescolarização e continua seus estudos, ao mesmo tempo em que se beneficia de adaptações. Embora essa sequência ilustre uma bifurcação “sofrida” (Hélardot, 2009), ligada às lógicas estruturais de orientação e contrária às aspirações iniciais de Arianne e sua família, ela é progressivamente reavaliada de forma positiva.
Pesquisadora: Como você se sente no Instituto?
Arianne: Está tudo bem, é bom! [...] As aulas são realmente adaptadas. [...] Fazemos muitas pausas (sorriso) e os professores dialogam mais...
Mãe: [...] Quando são apenas três, um professor para três alunos [...], é verdade que é melhor. [...] No início, não foi uma escolha [...]. Olhando para trás, penso: ‘[...] Pelo menos é bem adaptado, ela tem tempo para fazer bem as aulas, [...] está menos cansada, leva mais tempo, não é ruim ! (Arianne, 2017)
Ser aluna do Instituto sem ser vista como surda pelos pais, nem se considerar como tal, pode parecer paradoxal. O paradoxo atenua-se se levarmos em conta a evolução do estabelecimento, principalmente a sua abertura a jovens ouvintes com dificuldades do tipo dis (dislexia, disfasia), escolarizados ao lado de alunos surdos, sem, no entanto, se misturarem verdadeiramente. Por sua vez, Arianne faz amizade com alunos ouvintes e com deficiência auditiva que se comunicam em francês oral. Embora sua entrada no Instituto e seu aprendizado da LSF possam sugerir o contrário, o trabalho sobre a norma dominante do sujeito linguístico — aquele que domina a linguagem oral-vocal — permanece limitado.
Uma trajetória escolar moldada pelas mudanças familiares
Odélie: 13-15 anos, surdez profunda, IC aos 3 anos, formação profissional, LSF; pais ouvintes, mãe monitora disciplinar no fundamental II, Diploma de Estado de Auxiliar de Vida Social (nível CAP), em formação à distância (secretária-assistente médico-social), pai militar, DNB.
O retrato de Odélie destaca outra trajetória escolar que conduziu a uma formação profissional. Ao contrário de Arianne, sua escolaridade ocorreu principalmente no meio médico-social e em LSF. Marcada por várias mudanças de estabelecimentos, foi ritmada pelas mudanças familiares relacionadas com as transferências profissionais do pai.
A orientação inicial de Odélie para uma instituição especializada, após a descoberta de sua surdez, não foi questionada por seus pais. Ela ingressou no Instituto após uma mudança da família: aos seis anos, na turma bilíngue de educação infantil externa, onde se sentia “perdida” e “perturbada” (mãe de Odélie, 2022) e, aos sete anos, no ensino fundamental I interno. De acordo com o arquivo da instituição, Odélie “chegou [...] sem real possibilidade de se comunicar tanto oralmente como por gestos” (Diário de campo, 30 de junho de 2017). Seus pais consideram a escolaridade no Instituto bastante satisfatória, e Odélie se sente bem e faz amizades. Eles não questionam a orientação em si, mas o resultado do projeto linguístico escolhido: inicialmente escolarizada em uma turma chamada “oralizante”, passou, depois, para a chamada “bilíngue” (LSF e francês escrito).
É preciso parar de nos perguntar quais são os projetos que queremos, porque desde o início pedimos [...] que ela fosse ajudada na oralização. Pensamos: “Ela tem um implante que deve estar funcionando, há todos os profissionais na instituição, ela só pode progredir [...]!” No início, ela começou a progredir, mas depois, em termos de linguagem verbal, francamente, não houve muitas novidades. (mãe de Odélie, 2022)
Implantada aos três anos, Odélie aprende a LSF e se expressa principalmente por sinais.
Apesar de usar diariamente o implante, acompanhado de uma boa recuperação auditiva, Odélie usa muito pouco a voz auditiva41 para se comunicar. [...] Ela apresenta, portanto, um atraso significativo na compreensão e expressão da língua francesa oral. Odélie se comporta como se tivesse muito pouco acesso ao mundo sonoro. [...] Seu pouco interesse pela linguagem oral não sinalizada pode levar a pensar que ela escolheu, pelo menos momentaneamente, se comunicar em LSF. (Ficha escolar, diário de campo, 30 de junho de 2017)
No entanto, pode-se questionar se ela realmente teve uma “escolha”. Nessa família, a norma de comunicação é trabalhada de forma coletiva: os pais utilizam tanto a língua francesa oral quanto a língua de sinais, o que eles consideram um esforço; a comunicação por sinais é mais fluida entre Odélie e seu irmão mais novo.
Aos 12 anos, após a mudança para um DROM42, Odélie frequentou durante dois anos a escola Ulis no ensino fundamental II, e “se saiu muito bem” (mãe de Odélie, 2022), obteve bons resultados escolares e fez amigos. No entanto, ela acha “uma pena” ter tido que deixar o Instituto e mantém contato com suas antigas colegas (Odélie, 2022). Nesse período, por falta de um especialista no local, a família se deslocava para outro DROM para ajustes no implante. O especialista consultado constata que o ajuste anterior não permitia que Odélie ouvisse corretamente.
Tivemos sorte de encontrar um audiologista. [...] E ficamos surpresos, porque o aparelho estava mal ajustado! [...] Odélie, durante esses treze anos que se passaram, viveu em total confusão! [...] Ela não percebia os sons como deveria, havia toda uma gama de sons aos quais ela não tinha acesso. (mãe de Odélie, 2022)
Para os pais, esse episódio marca uma ruptura na trajetória de Odélie: ele os leva a reconsiderar o percurso familiar, invalidando os esforços baseados no funcionamento defeituoso do implante. “Desanimados”, eles lamentam ter que “recomeçar do zero” (pai de Odélie, 2022). Embora reconheçam a importância da comunicação por sinais, esse evento atualiza seu projeto inicial de linguagem oral-vocal e redefine sua postura em relação aos dispositivos institucionais, passando da confiança à crítica em relação aos profissionais cuja competência é questionada.
Ao retornar à França metropolitana, Odélie ingressa, aos 14 anos, em um curso profissionalizante do Instituto para obter o CAP Educação Infantil. As esperanças de progredir no francês oral, reavivadas pelo ajuste, não parecem se concretizar. Por outro lado, a ideia de um novo começo em um PTOM43 faz ressurgir incertezas quanto ao seu futuro. A interligação entre o percurso escolar e familiar é particularmente evidente neste retrato. Dada a distribuição desigual dos dispositivos escolares na França metropolitana, e ainda mais nos territórios ultramarinos, a trajetória escolar de Odélie é amplamente moldada pelas mudanças familiares. Estes deslocamentos permitem que ela passe dois anos em inclusão coletiva no ensino fundamental II, o que mostra que o regresso à rede regular de ensino não é impossível. As diferentes mudanças, embora constituam bifurcações “passivas” no sentido analítico (Hélardot, 2009), inscrevem-se na continuidade de sua trajetória e não são percebidas como rupturas importantes pela criança ou por seus pais, ao contrário do episódio relacionado ao ajuste do implante.
Escolaridade no Instituto para prevenir os “atrasos”
Alaïa: 5-6 anos, surdez profunda, IC aos 5,5 anos e aparelho auditivo, ensino fundamental I interno, sinais; pais ouvintes, sem atividade profissional, pai ex-diretor de escola na Argélia, família vivendo um processo migratório.
O retrato de Alaïa destaca uma trajetória migratória familiar motivada pela surdez da criança. Diane Bedoin (2008) identifica duas razões principais para a emigração de famílias com crianças surdas: as características da sociedade de origem (a visão da deficiência, a representação da criança com deficiência) e as da sociedade de acolhimento (a oferta de estruturas educativas adaptadas). A família de Alaïa parece estar preocupada com as duas razões. Os pais lamentam a situação “difícil” (pais de Alaïa, 2016) para uma filha surda em seu país de origem, tendo em vista as relações de gênero, bem como a falta de dispositivos de atendimento e acolhimento a crianças surdas. Além disso, ao contrário da França, o acompanhamento e os aparelhos, principalmente os implantes cocleares, não são cobertos pelo sistema público de saúde. A família mudou-se para a França quando Alaïa tinha cerca de cinco anos; essa decisão foi reforçada pelo diagnóstico de surdez de sua filha mais nova, Asma. Assim que chegaram, Alaïa recebeu aparelhos auditivos, passou a ser acompanhada pelo CAMSP e escolarizada em uma escola regular, na turma da seção média da educação infantil44, com uma AESH. Na escola, Alaïa fica “bem, se comporta bem com as crianças”, “só falta ela falar” (pai de Alaïa, 2016): ela não se expressa pela via oral-auditiva e começa a aprender alguns sinais com o fonoaudiólogo. Seus pais veem sua ausência de linguagem como uma simples diferença, uma dificuldade à qual eles se “acostumaram” (pai de Alaïa, 2016). Na família, o árabe continua sendo a língua principal, inclusive nas interações com Alaïa, já que a mãe não domina o francês45. Ao contrário dos pais de Odélie, os pais de Alaïa parecem pouco interessados em aprender a LSF, usando apenas alguns “gestos”46 ocasionalmente, que o pai associa ao francês oral. Eles dizem estar “cansados” dos esforços constantes para alcançar uma compreensão mútua (pai de Alaïa, 2016). Entre os irmãos, os sinais são mais utilizados, especialmente entre Alaïa e Asma. O objetivo dos pais é que Alaïa desenvolva a linguagem oral-vocal, e com esse objetivo, ela recebe um implante coclear aos cinco anos e meio. No entanto, o início do seu acompanhamento e a implantação do dispositivo são considerados tardios em relação às normas de precocidade nas práticas atuais de acompanhamento de crianças surdas na França (Dmitrieva, 2022). As palavras do pai de Alaïa ecoam o discurso dos profissionais, quando ele destaca a diferença entre Alaïa e sua irmã. Segundo ele, Asma teria uma “vantagem” relacionada ao seu acompanhamento mais precoce, antes dos dois anos de idade: “ela vai aprender e falar mais rápido [...] e melhor” (pai de Alaïa, 2016), enquanto Alaïa “vai falar”, mas “terá um pouco de atraso” (pai de Alaïa, 2017).
Os pais, presentes no acompanhamento, desenvolvem uma relação de confiança com os profissionais, chegando a delegar certas decisões. A maneira como pensam sobre a surdez, como lidam com ela no dia a dia e a longo prazo, revelam sua adesão à norma dominante do tema da linguagem. Nesse contexto, a surdez de Alaïa é construída como um problema e associada à ideia de um “atraso” (pai de Alaïa, 2017). Essa perspectiva orienta a escolha de escolarização da filha no Instituto, onde o acompanhamento pela equipe multidisciplinar47 é percebido como um meio de compensar e prevenir seus “atrasos”:
Tenho o direito de matriculá-la na escola ***, onde está meu filho [...], mas sou eu quem [...] a matriculo [no Instituto], porque é um centro especializado para crianças como ela. [...] Se eu a matricular numa escola regular, uma vez que não há especialistas, ela vai ficar atrasada na fala. (pai de Alaïa, 2017)
Aos sete anos, Alaïa integra uma turma bilíngue do ensino fundamental I no Instituto. Essa orientação se insere na continuidade do projeto linguístico, traduzindo as expectativas dos pais em relação à normalização por meio do alinhamento à norma linguística dominante. No entanto, ela abre caminho para o surgimento de uma normalidade diferente para Alaïa, que se apropria cada vez mais da comunicação gestual, na sala de aula e entre os colegas.
Uma orientação normalizadora na seção para crianças surdas com deficiências associadas
Mehdi: 8 anos, surdez profunda, IC aos 6 anos, seção para deficiências associadas, sinais; pais ouvintes, mãe sem atividade profissional, ex-chefe de serviço de contabilidade na Argélia, pai comerciante na Argélia, importação e exportação de material de pesca, família vivendo um processo migratório.
Tal como a família de Alaïa, a família de Mehdi insere-se em um percurso migratório para a França, motivado pela falta de atendimento à criança em seu país de origem. Na ausência de estruturas de acolhimento adequadas, a mãe de Mehdi vê-se obrigada a mantê-lo em casa:
Tive que parar de trabalhar, [...] ele passava o tempo todo em casa, só assistia televisão, não tinha amigos, não tinha parques, [...] não havia nada... eu não podia levá-lo para sair. [...] Quando ele queria alguma coisa, fazia birra [...]. Então, todos olhavam: “Senhora, o que você faz com seu filho? Por que ele grita assim?” [...] Tive que escondê-lo um pouco, [...] foi inevitável! (mãe de Mehdi, 2017)
Diante dessa situação insustentável, a família se mudou para a França para que Mehdi pudesse receber o acompanhamento desejado. Quando chegou, aos cinco anos, ele não tinha nenhum meio de comunicação; sua mãe o descreve como “muito agitado” e “violento”. Pouco antes dos seis anos, ele recebe um implante coclear, considerado pelos pais como “a única solução”. No entanto, a linguagem oral-vocal não se desenvolve como esperado, o que sua mãe atribui a um implante considerado tardio, assim como o pai de Alaïa.
Aos seis anos, Mehdi frequenta o primeiro ano na escola do bairro, com uma hora e meia de aula por dia, acompanhado por um AESH. No segundo semestre, ele passa para uma Ulis, sem conseguir adotar um comportamento adequado às normas escolares: “meu filho não ficava sentado, fazia barulho, gritava o tempo todo, então o professor dizia que aquele não era o lugar dele” (mãe de Mehdi, 2017). No início do ano letivo seguinte, Mehdi é encaminhado para o Instituto, em um serviço dedicado a crianças surdas com deficiências associadas. Ele é o único, dentre as crianças apresentadas, a ser escolarizado lá. A mãe explica essa orientação por um atraso na linguagem e insiste na ausência de transtornos associados: Mehdi, que “começa a conhecer os meses, o alfabeto, a contar”, “ultrapassa” as crianças de seu grupo nessas aprendizagens (mãe de Mehdi, 2017). Essa questão é abordada durante uma conversa com a chefe de serviço:
Mehdi, talvez não tenha uma deficiência associada, não sabemos, porque ele não nasceu aqui e não teve todos os estímulos quando era pequeno, e percebemos que, mesmo assim, ele está progredindo... [...] Ele tem uma compreensão quase melhor do que os outros, de fato, mas [...] ainda não está no nível [da seção de ensino geral]. [...] Ele está progredindo muito bem [...] mas ainda tem fragilidades [...]. É delicado, Mehdi, não sabemos muito bem, [...] é um bom exemplo de que, às vezes, estamos entre os dois, sim... (Anne, chefe de serviço, 2017)
O meio-termo que representa o caso de Mehdi destaca a imprecisão da categoria “deficiência associada” no que diz respeito à surdez. Pesquisas sobre a síndrome da privação linguística sugerem que os transtornos cognitivos, linguísticos e comportamentais às vezes associados à surdez teriam uma origem sociocultural, ligada à ausência de exposição de qualidade a uma língua totalmente acessível. Os “estímulos” insuficientes antes da chegada de Mehdi à França poderiam, portanto, ter um impacto negativo sobre o seu desenvolvimento.
Para sua mãe, o problema não é tanto a orientação de Mehdi nessa seção, mas sim sua admissão no Instituto, devido à presença da LSF, que constitui uma bifurcação no projeto linguístico. Isso remete aos trabalhos sobre as representações negativas dos pais ouvintes em relação às línguas de sinais, nos planos linguístico e identitário, impedindo seu aprendizado e sua transmissão à criança surda (Gaucher, 2022; Gobet, 2023a; Kirsch & Gaucher, 2018). Segundo ela, a língua de sinais seria reservada aos surdos e não poderia ser um vetor de integração no mundo dos ouvintes, nem dentro da família. Ela não favoreceria a autonomia de seu filho, considerada como a capacidade de agir sozinho, através da língua oral-vocal, ainda mais que Mehdi não domina a escrita. A língua de sinais, vista como último recurso, é aceita por falta de outra opção. Quanto a Mehdi,
[ele] descobre a língua de sinais e faz os esforços necessários para dela se apropriar [...]. [Ele é] muito comunicativo com seus colegas e com os adultos, capaz de se fazer entender, expressar uma opinião, fazer perguntas. [...] [Ele] evoluiu desde o início do ano letivo. [...] Disposto a aprender, [ele] tem interesse em todas as atividades. (Ficha escolar, diário de campo, 30 de junho de 2017).
Sua mãe reconhece essa evolução, ligada à aprendizagem da LSF: “ele se encontrou, está mais calmo, mais sereno” (mãe de Mehdi, 2017). Ela se apropria disso para estabelecer a comunicação com seu filho, primeiro combinando sinais e francês oral48, depois investindo na LSF graças a uma formação intensiva. Isso resulta em uma configuração de bilinguismo familiar (Dalle-Nazébi, 2014), na qual ela desempenha o papel de intermediária entre Mehdi e o resto da família.
Embora o início das aulas no Instituto tenha sido inicialmente visto de forma negativa pela mãe, Mehdi desenvolve-se como um ser de linguagem, restabelece sua relação com o mundo, cria laços com seus colegas e reencontra seu lugar como aluno. As mudanças paralelas nas práticas maternas, integrando a comunicação gestual, contribuem para o surgimento de uma normalidade no dia a dia. O compromisso materno vai além das questões linguísticas, refletindo a divisão de tarefas entre os sexos em torno da criança doente ou com deficiência (Delmas & Garcia, 2018; Eideliman, 2008; Mougel, 2009). Para sua mãe, a trajetória migratória e o acompanhamento de Mehdi são semelhantes a uma “luta diária”. No entanto, a surdez não parece ser uma fonte de desqualificação para ele e sua família, o que coincide com os resultados de um estudo com crianças surdas e com deficiência auditiva em situação de imigração na escola (Bedoin, 2008). Em vez de serem vítimas de uma dupla estigmatização, essas crianças se beneficiam de recursos concretos, particularmente os educacionais, que favorecem a sua integração na sociedade de acolhimento.
Um percurso “caótico” e desqualificante que leva ao setor médico-social
Amir: 9 anos, surdez profunda, duplo IC aos 16 meses e 3,5 anos, ensino fundamental I interno, sinais; pais ouvintes, separados, mãe secretária em uma associação de formação em LSF, diploma de Mestrado.
O retrato de Amir destaca-se por um diagnóstico precoce da surdez: seu acompanhamento começa aos nove meses, com um duplo implante coclear aos dezesseis meses e aos três anos e meio. No entanto, ele não produz os efeitos esperados em termos de linguagem oral-vocal e é considerado um fracasso por sua mãe. A aceitação da diferença de Amir transforma o cotidiano familiar: a LSF passa a ser usada gradualmente ao lado do francês e do árabe49, aprendida pela mãe, pela irmã mais velha, pelo irmão mais novo, pela tia e pelo próprio Amir. Devido à importância do trabalho coletivo de normalização, a mãe considera que a infelicidade do filho é ter nascido surdo numa família de ouvintes: «Infelizmente, ele nasceu numa família de ouvintes, então o que fazer? (risos)» (mãe de Amir, 2021). No entanto, ela faz questão de não distinguir Amir de seus dois filhos ouvintes em termos de educação. Essa tarefa é complicada por atitudes e por reações externas, contrárias à normalidade produzida na família e às aspirações de uma “vida normal” e ativa para seu filho no futuro (mãe de Amir, 2021).
Nesse sentido, a trajetória escolar de Amir é, para ela, semelhante a uma desqualificação. Aos três anos, ele foi matriculado na pré-escola do bairro com uma AESH. Ele passou dois anos na seção média da educação infantil, com acompanhamento do SSEFS no segundo ano. Nos dois anos seguintes, ele foi escolarizado em uma Ulis, antes de entrar, aos oito anos, no ensino fundamental I interno. Esse percurso parece aleatório, pontuado por bifurcações: de um ano para o outro, dependendo do professor, “tudo corre bem” (no primeiro ano da seção média e na Ulis), ou é “complicado”, ou até mesmo “uma catástrofe” (na seção pequena, no segundo ano da seção média e na Ulis), o que leva a mudanças na escolaridade (mãe de Amir, 2021). Segundo a mãe, no segundo ano da seção média, a professora não adapta as atividades para permitir que ele participe e progrida. A passagem para a Ulis é vivida como uma restrição. O primeiro ano corre “bem”, mas no segundo ano, a nova professora especializada “não faz absolutamente nada”, de modo que “nada [...] avança” (mãe de Amir, 2021).
[No primeiro ano], a professora [...] fazia um grande esforço de adaptação e tudo corria muito bem. [...] Ele estava num bom ambiente, por isso podíamos nos projetar ali, na Ulis. Depois, mudou a professora e foi o caos. [...] Correu muito mal. [...] Então, fomos obrigados a mudar de rumo novamente, o Ulis, obviamente, não estava mais funcionando, só que o problema não vinha dele. [...] Então ele acabou indo [para o Instituto], quando não queríamos levá-lo para lá inicialmente. (tia de Amir, 2021)
A mãe se vê obrigada a aceitar a escolarização no ensino fundamental I interno. Por um lado, ela considera que Amir não tem o nível suficiente para a turma bilíngue externa, que segue o programa do Ministério da Educação. Por outro lado, essa opção continua sendo preferível à orientação para a seção para deficiências associadas, que ela recusa.
Fui eu quem não quis [a turma bilíngue]. [...] São crianças que podem seguir o ensino regular, mas em duas línguas. Não estávamos nessa situação. [...] Não adiantava nada levá-lo para lá, afogá-lo [...] e, além disso, ele incomodava as outras crianças. [...] No Instituto, queriam colocá-lo na [seção para deficiências associadas] [...]. Porque consideravam que ele precisava fazer um trabalho individual aprofundado, e eu lhes disse [...] que ele precisava estar em contato com outras crianças e ocupar seu lugar dentro de um grupo. [...] [E] o ensino não era suficientemente aprofundado para ele. [...] Eu recusei. [...] Por isso, ele foi para o ensino interno. (mãe de Amir, 2021)
A trajetória escolar de Amir é descrita como “caótica” (mãe de Amir, 2021): as condições de sua escolarização no ensino regular, mesmo na Ulis, parecem colocá-lo em dificuldade e contribuir para sua desqualificação como aluno, que tem dificuldade em encontrar seu lugar. Isso leva a bifurcações indesejadas em sua trajetória escolar, apesar da resistência de sua mãe, principalmente na forma de compromisso com o filho.
Para a família, projetar-se no futuro é complexo. A sensação de viver “um dia de cada vez” (tia de Amir, 2021) é compartilhada por outros pais que conhecemos, mesmo quando são convidados a elaborar um projeto de vida e a planejar uma trajetória escolar.
Dizem-me: ‘Que trajetória você imagina para ele?’ Isso me faz rir! [...] Não sou eu, em primeiro lugar, quem decide sua trajetória; em segundo lugar, o objetivo básico é que ele tenha uma escolaridade [...] que lhe permita se desenvolver, escolher em que área gostaria de se orientar [...]. Não me fazem essa pergunta em relação à minha filha. [...] Por que é que, no caso dele, já tenho de traçar o seu caminho? (mãe de Amir, 2021)
O percurso de Amir, de um ensino regular para um meio médico-social, representa, para sua mãe, uma redução progressiva do leque de possibilidades:
Na época, eu não queria [o Instituto], porque quando me informei [...], depois [do ensino fundamental I] vem o CAP... mas eu digo: ‘por que já estou escolhendo a carreira profissional manual, por quê?’ Ele não pode, mesmo que tenha um atraso [...], um dia pensar em ir para a universidade, fazer estudos superiores, escolher a trajetória... ? Não, já agora eu decido fechar as portas para ele... É por isso que eu não queria que ele fosse para o Instituto. Primeiro porque eles estão sempre rodeados de muitos adultos e profissionais, [...] eles são mimados, [...] protegidos demais mesmo... (mãe de Amir, 2021)
Ela se opõe à ideia de uma orientação padrão, percebida como uma forma de relegação social, e mantém um compromisso ativo e reflexivo com a escolaridade e o acompanhamento do filho. Ela critica os pais do Instituto por delegarem a educação dos filhos, sem se envolverem na escolaridade, no aprendizado da língua de sinais ou no acompanhamento de forma autônoma. No entanto, o mito da “renúncia parental” é questionado pela análise das configurações familiares (Lahire, 2012) . As escolhas institucionais dos pais inscrevem-se nas suas “teorias diagnósticas” e deparam-se com várias restrições (Eideliman, 2008). Os retratos apresentados destacam as diferentes concepções do normal e os diversos processos de normalização em ação no quotidiano familiar, questionando o ponto de vista etnocêntrico dos pais “combatentes” (Eideliman, 2008).
Conclusão: escolarização no setor médico-social, escolaridade (a)normal?
Hoje, as crianças surdas escolarizadas em meio médico-social constituem “casos” que “não se encaixam” (Becker, 2002) no contexto de dessegregação e inclusão em relação às expectativas ligadas à aquisição da linguagem oral-vocal. De acordo com os profissionais entrevistados, as dificuldades escolares, sociais e linguísticas acumuladas por essas crianças podem ser atribuídas à trajetória e/ou à configuração familiar. Suas situações foram analisadas a partir de cinco retratos. A atenção foi voltada principalmente para as maneiras de integrar a surdez da criança no cotidiano familiar e para o trabalho coletivo de normalização: a norma dominante de ouvir e de se comunicar pela via oral-vocal não é trabalhada da mesma forma, nem no mesmo grau em todas as famílias.
Sem pretender ser exaustivo, estes cinco casos oferecem uma visão geral dos diversos percursos escolares que conduzem ao setor médico-social: mais ou menos longos e sinuosos, vividos como (dis)contínuos, vão da inclusão individual à escolaridade em instituições, passando por vezes pela inclusão coletiva. Esses percursos, muitas vezes, apresentam bifurcações, afastando-se das escolhas linguísticas e escolares iniciais dos pais. Por um lado, o projeto de linguagem oral-vocal escolhido não se concretiza para as quatro crianças que chegaram ao Instituto no ensino fundamental I: aos 7-8 anos, elas não tinham ou tinham pouca linguagem e estavam em processo de aquisição “tardia” (Burgat et al., 2024) da LSF como primeira língua. Essa via recebe um reconhecimento e um investimento variáveis de acordo com as famílias: do uso ocasional de sinais a um compromisso ativo por meio de uma formação intensiva, passando por outros tipos de aprendizagem. Isso reflete sua relação evolutiva com as normas linguísticas dominantes e convida a matizar as possibilidades de envolvimento dos pais no contexto da escolaridade especializada, além de se fazer necessária a consideração dos recursos das famílias. Por outro lado, alguns pais vivem a orientação para o estabelecimento especializado como uma restrição, marcando uma ruptura com suas expectativas iniciais, e expressam um apego à inclusão escolar ou uma resistência à orientação para o Instituto. Dentre as razões evocadas figuram: a presença da língua de sinais, associada a representações negativas; a preocupação com o futuro profissional, sendo esse tipo de escolaridade percebido como uma forma de relegação social; um ambiente considerado excessivamente protetor; um descompasso entre a imagem da instituição e a (auto)identificação da criança. A escolaridade pode ser reconsiderada de forma mais positiva a posteriori, reconhecendo o progresso da criança e as adaptações escolares, restabelecendo assim uma continuidade no percurso. Além disso, outros pais encaram, desde o início, esta orientação mais em termos de evidência e de continuidade, destacando o acompanhamento multidisciplinar. As famílias diferem na maneira como concebem a relação entre escolaridade e reabilitação, seja separadamente, seja em conjunto, e de acordo com a ordem de prioridade atribuída.
Embora os profissionais considerem que várias crianças do Instituto sejam oriundas de meios familiares desfavorecidos, os pais entrevistados não parecem demonstrar uma postura de distanciamento em relação à instituição. Eles se dedicam aos seus filhos, embora com graus variáveis de afinidade com o discurso dos profissionais e de confiança na sua experiência. Esse possível “viés” decorre dos locais de recrutamento dos pais (aulas de LSF, fonoaudiólogos, SSEFS, reunião de pais no Instituto), mais precisamente de sua presença nesses espaços e de sua concordância em participar das entrevistas. Eles parecem ter “uma palavra legítima a dizer sobre seus filhos e a maneira como cuidam deles” (Eideliman, 2008, p. 341). As posturas que adotam – de observância, de colaboração ou de crítica – refletem os diferentes recursos para negociar opções de escolaridade e de acompanhamento, principalmente em relação à origem social (Bouchet, 2022) .
Os percursos que levam à escolarização no Instituto podem ser considerados como a interligação das trajetórias familiares, escolares e de atendimentos especializados, nas quais se desenvolvem processos de anormalização (Winance, 2019) das crianças. Elas são desqualificadas tanto como alunas — em sua aprendizagem escolar e na sociabilidade entre pares — como seres de linguagem. Essa desqualificação não ocorre no momento da bifurcação para o meio médico-social, mas antes, durante as etapas anteriores do percurso no ensino regular e em um ambiente linguístico inacessível. A forte presença de famílias de origem imigrante no Instituto poderia sugerir uma desqualificação baseada no estatuto imigratório. No entanto, embora isso deva ser levado em conta na orientação fora do ensino regular (Bouchet, 2022), os percursos mostram que a desqualificação se constrói ao longo das trajetórias familiares, envolvidas em outras questões, incluindo as institucionais.
A escolarização no Instituto surge então como uma resposta à desqualificação das crianças surdas face às normas escolares e linguísticas dominantes. Os perfis destacam o potencial normalizador desse tipo de escolaridade, incluindo num serviço dedicado às deficiências associadas. Desprezada pela população em geral, a orientação para um ambiente especializado não é intrinsecamente uma discriminação negativa, embora figure entre os fatores de desigualdade no que diz respeito aos percursos futuros (Bouchet, 2022). Com efeito, ela permite o surgimento de normalidades diferentes, dando às crianças marginalizadas a possibilidade de viver uma infância plena. No entanto, os desafios variam, principalmente em função da idade e do nível escolar no momento da orientação. Se o Instituto oferece um ambiente propício à aprendizagem da LSF, este aspeto é ainda mais importante para a sua aquisição como primeira língua. Assim, no ensino fundamental I, o desafio é integrar-se à linguagem, entrar no processo de aprendizagem e estabelecer laços com os colegas, enquanto no final do ensino fundamental II, após uma escolaridade inclusiva, trata-se principalmente de manter seu status e seu lugar como aluno. No entanto, a distinção entre a escolarização na seção de ensino geral e na seção de deficiências associadas revela diferenças nas possibilidades de adaptação. Uma criança que não se inscreve no “normal” do primeiro dispositivo corre o risco de desqualificação interna, por meio de uma categorização em termos de deficiências e transtornos associados. Algumas famílias conseguem resistir a isso, mas suas margens de manobra variam de acordo com seus recursos.
Por fim, apesar de as crianças matriculadas em instituições médico-sociais não serem representativas de todas as crianças surdas atualmente, essa situação esclarece as dinâmicas institucionais em curso. As dificuldades, os atrasos e a marginalização apontam as limitações da escola e da sociedade inclusivas, ainda amplamente baseadas em um alinhamento com normas dominantes preestabelecidas. Essa constatação vai além da questão da surdez: as expectativas de adaptação às normas dos alunos ditos comuns continuam presentes para outros alunos com deficiência. Como destaca Hugo Dupont (2021b, p. 130) : “O que se desenha em segundo plano é o projeto de uma instituição escolar pronta para integrar (e não incluir) todos os alunos, desde que eles se submetam às suas exigências e ao seu sistema normativo.” O acesso à educação para alunos com deficiência continua sendo um direito “vulnerável” e a dessegregação relativa (Revillard, 2020). Sendo a dimensão linguística específica à situação das crianças surdas, este estudo também questiona o lugar das línguas de sinais em suas trajetórias e na sociedade. Ele convida a refletir, de forma mais ampla, sobre os efeitos potencialmente incapacitantes, invalidantes e alteradores dos ambientes sociais, incluindo os linguísticos.

