Em Undoing Suicidism: A Trans, Queer, Crip Approach to Rethinking (Assisted) Suicide [Desfazendo o Suicídio: Uma Abordagem Trans, Queer e Crip para Repensar o Suicídio (Assistido)], Alexandre Baril desafia as perspectivas tradicionais e normativas sobre o suicídio e o acesso ao suicídio assistido1. Baril argumenta que as pessoas suicidas sofrem de uma opressão estrutural e sistemática que ele chama de suicidismo2, inclusive dentro de movimentos e campos de estudo antiopressivos (p.7). Adotando uma abordagem interseccional, ele argumenta que os grupos marginalizados são particularmente vulneráveis ao suicídismo, e argumenta que a preponderância de uma abordagem prevencionista do suicídio é uma fonte de violência, causando mais mortes do que salvando vidas. A abordagem prevencionista não prioriza a vontade, a autonomia e o bem-estar das pessoas suicidas, mas um (sobre)viver como parte de um "mandato para a vida e o futuro" (p.113). Com base em estudos/teorias queer, crip e trans, Baril se propõe a teorizar e problematizar o suicidismo, assim como a reconceituar o suicídio (assistido) de uma forma antiopressiva. Por meio de Undoing Suicidism, ele lança um "[...] chamado à ação e à mobilização coletiva por meio de uma tanatopolítica, uma 'política da morte'" (p.8).
Permeado pela intimidade da autotanatoteoria, uma abordagem metodológica que oferece ao autor a oportunidade de discutir (seu) desejo individual de morrer, ao mesmo tempo em que incentiva a criação de uma comunidade de pessoas que compartilham essa experiência, este livro é dividido em duas seções principais. Na primeira, composta por três capítulos, Baril oferece uma reconceitualização antiopressiva da suicídalidade4. O primeiro capítulo apresenta a suicidismo como uma estrutura teórica e oferece uma discussão crítica dos modelos dominantes de conceituação da suicidalidade (os modelos médico, social e de justiça social), incluindo a literatura sobre suicidologia crítica. O segundo capítulo discute as possibilidades transgressoras da aplicação de abordagens trans e queer à suicidalidade, ao mesmo tempo em que demonstra as limitações da literatura. Baril destaca como as perspectivas trans e queer sobre o suicídio se concentram em um mandato para a vida e o futuro, ignorando a questão do suicídio assistido. O terceiro capítulo discute a relevância da aplicação da teoria crip e dos estudos loucos à suicidalidade, ao mesmo tempo em que aponta as deficiências dessas abordagens. Baril mostra que, ao contrário das perspectivas trans e queer, a suicidalidade é pouco teorizada nos estudos críticos sobre deficiência e loucura, e que os debates sobre o suicídio assistido estão enraizados em uma perspectiva suicidista, uma vez que o suicídio é enquadrado como uma opção inadequada a ser evitada.
Composta pelo quarto e quinto capítulos, a segunda seção do livro desconstrói as abordagens existentes sobre o suicídio assistido e propõe um modelo alternativo baseado em uma abordagem de redução de risco. O quarto capítulo explora as abordagens e o discurso da mobilização para o acesso à assistência médica na morte e demonstra que ele se baseia em fundamentos sanistas5, capacitistas e suicidistas que diferenciam o suicídio (visto como o resultado de uma decisão irracional e injustificada) da morte assistida (percebida como uma decisão racional e justificada). O autor mostra que as conceitualizações atuais do suicídio assistido são desenvolvidas com o objetivo de proteger a vida (em vez de fornecer acesso à morte), livrando-se de sujeitos percebidos como "abjetos" e "irrecuperáveis" (p. 209). Demonstrando que a concepção dominante do suicídio assistido é opressiva por natureza, Baril desenvolve no quinto capítulo um modelo queercrip, antiopressivo e interseccional. Esse modelo queercrip de suicídio (assistido) baseia-se em uma abordagem "suicida-afirmativa" que promove "o acompanhamento de pessoas que estão pensando em morrer por suicídio (assistido) para ajudá-las a tomar a decisão mais bem informada possível" (p. 218). Esse modelo baseia-se no estabelecimento de direitos positivos para os suicidas e teria várias vantagens, incluindo 1] a promoção da justiça epistêmica (reconhecendo a experiência e a legitimidade dos suicidas); 2] uma redução na natureza violenta e no isolamento dos suicídios; 3] uma redução no impacto que o suicídio pode ter sobre as famílias; 4] o potencial de salvar mais vidas do que no modelo de prevenção atual (embora o objetivo do autor não seja salvar vidas em si) (p. 228-232). Baril conclui discutindo a importância de repensar práticas, normas e políticas em torno da morte e, mais especificamente, do desejo de morrer, a fim de criar um mundo mais inclusivo no qual as pessoas que desejam morrer possam fazê-lo em paz, cercadas por entes queridos e sentindo-se amadas.
Undoing Suicidism é um trabalho rigoroso, diferenciado e inovador, baseado em uma revisão exaustiva e minuciosa da literatura. Na ausência de entrevistas diretas com pessoas suicidas, Baril integra narrativas de várias fontes para dialogar com o conhecimento da experiência. O livro pretende ser uma ferramenta intersetorial para a desobediência epistêmica, a construção de comunidades e o movimento social (p. 257-8). A teorização de Baril de um modelo antiopressivo de suicídio assistido é ainda mais relevante em um contexto em que o acesso à morte medicamente assistida está sob constante mudança e (re)negociação em muitos países (embora Baril não planeje abolir o sistema atual tão cedo). Embora o livro ofereça uma visão geral abrangente do assunto, seria benéfico acrescentar uma análise histórica mais aprofundada das origens da perspectiva suicida, bem como uma exploração comparativa de perspectivas alternativas em outras regiões e culturas.
Undoing Suicidism é uma leitura imperdível por causa de suas muitas contribuições para os círculos acadêmicos, ativistas, profissionais e comunitários, para citar apenas alguns, bem como para as pessoas direta ou indiretamente afetadas pela suicídalidade6. Embora o livro seja de natureza acadêmica, Baril tem o compromisso de torná-lo o mais acessível possível, principalmente por meio de um estilo de escrita inteligível e do fornecimento de acesso gratuito à obra. Baril habilmente leva os leitores a repensar não apenas o suicídio e a suicidalidade, mas também a formação de conexões autênticas, a construção de comunidades, a resiliência e a justiça. Ele nos permite reconceituar a morte, não como um destino ou uma tragédia, mas como uma escolha legítima e potencialmente emancipatória em um contexto em que as possibilidades de escolher como (não) viver parecem cada vez mais limitadas.