Introdução
Na interseção da ciência ocupacional1 e dos estudos críticos do autismo – e, de modo mais abrangente, da deficiência –, minhas atividades de pesquisa se enraízam no cruzamento entre meus conhecimentos profissionais e científicos e meus saberes experienciais e práticos. Pessoa autista, afantásica, prosopagnósica2, já me deparei e ainda me deparo com alterização (“othering”); invalidação da minha perspectiva, das minhas experiências e identidades; diversidade de fachada3 (às vezes chamada de tokenismo ou "tokenism"); e exclusão – tanto na minha vida pessoal quanto na minha vida acadêmica e profissional4.
Embora agora eu5 reconheça que meu posicionamento e minhas atividades de pesquisa são influenciados por minhas identidades, minhas experiências pessoais e minha militância (e vice-versa), nem sempre foi assim. Nem o ensino superior nem os engajamentos do início da minha carreira acadêmica tinham qualquer relação com o autismo. Naquela época, eu queria manter uma clara e franca separação entre minha realidade pessoal e minha realidade profissional. Dois anos após conseguir meu emprego atual como professore – e enquanto realizava trabalho voluntário em uma iniciativa cidadã que visava a oferecer apoio social via chat a pessoas a/Autistas6 – comecei a questionar essa fronteira que me esforçava para manter (para saber mais, consulte Désormeaux-Moreau e Courcy, 2024). Essa iniciativa foi um verdadeiro catalisador e me levou a reorientar completamente minhas atividades acadêmicas em torno de minhas identidades enquanto Autista7 e terapeuta ocupacional com experiência pessoal da deficiência. Minhas atividades acadêmicas e meu programa de pesquisa agora se concentram na vivência e na experiência de adultos a/Autistas e de terapeutas ocupacionais de grupos sociais menorizados sub-representados na profissão. Também me interesso pelo apoio dos pares e pelas abordagens e iniciativas desenvolvidas e dirigidas por e para as pessoas envolvidas (por exemplo, por e para pessoas a/Autistas ou por e para terapeutas ocupacionais com experiência pessoal da deficiência). Minha pesquisa é comprometida e militante.
A reflexão proposta neste artigo baseia-se nas leituras que fiz e nas inúmeras conversas que tive nos últimos cinco anos. Ela também se baseia em observações participantes feitas em congressos científicos, fóruns participativos e espaços para a co-reflexão entre pares8. Também foi alimentada pelas trocas das quais participei ou testemunhei em comunidades virtuais de a/Autistas, bem como em um grupo virtual privado de 7.500 pesquisadores/as a/Autistas cujos trabalhos relacionam-se com o autismo. Nesta reflexão, primeiro me concentro nas tensões entre os saberes sobre autismo e os saberes autistas. Em seguida, abordo as fontes e as consequências das injustiças epistêmicas enfrentadas por a/Autistas, bem como o fenômeno da Neurodiversity Lite (a instrumentalização de conceitos relacionados à neurodiversidade). Por fim, concluo explorando como a humildade epistêmica e a postura de autodesempoderamento podem ajudar a romper com práticas que são fontes de injustiça epistêmica e Neurodiversidade Lite9.
Quais os saberes necessários para entender o autismo e a experiência das pessoas a/Autistas?
Dois tipos principais de saberes se chocam quando se trata do autismo e das realidades autistas: os saberes sobre o autismo (chamados “autism knowledge”) e os saberes autistas (“autistic knowledge”). Atualmente, a maior parte do conhecimento profissional e científico disponível a respeito do autismo, bem como da sua vivência, e as experiências e necessidades das pessoas a/Autistas baseia-se no chamado conhecimento sobre o autismo. Esse conhecimento é produzido por pessoas alísticas10, ou seja, por pessoas que não são a/Autistas. Ele é formulado e articulado por e dentro de grupos de pessoas pesquisadoras, clínicas ou profissionais de saúde e, às vezes, até mesmo dentro de grupos de pais e mães alísticos/as de crianças a/Autistas (Bertilsdotter Rosqvist et al., 2023). Na maioria das vezes, esse conhecimento provém de pesquisas sobre a/Autistas conduzidas por pessoas alísticas ou, pelo menos, por pessoas que não são abertamente a/Autistas (Dwyer et al., 2021) e não por ou com a/Autistas (Chown et al., 2017 ; Grant e Kara, 2021).
Como professore de um programa de terapia ocupacional inserido em uma Faculdade de Medicina e Ciências da Saúde, navego entre campos (a saber: saúde, reabilitação, relação de ajuda, ensino e pedagogia) em que o conhecimento sobre o autismo prevalece de modo quase monolítico. Minha própria compreensão do autismo, de quem são as pessoas a/Autistas e de suas realidades e possíveis necessidades de apoio baseia-se no conhecimento sobre o autismo adquirido no contexto da minha formação, mas também, e acima de tudo, em minha própria experiência, em várias discussões com outras pessoas a/Autistas e na consulta a vários recursos produzidos ou coproduzidos por pessoas a/Autistas11. Consequentemente, minha compreensão é amplamente baseada nos saberes autistas, ou seja, no conhecimento produzido por pessoas a/Autistas, conforme formulado e articulado por e em grupos de indivíduos a/Autistas. (Bertilsdotter Rosqvist et al., 2023).
Da autoridade epistêmica do conhecimento sobre o autismo às injustiças epistêmicas que marcam os saberes autistas
Os conhecimentos sobre o autismo e os saberes autistas evoluíram historicamente em paralelo, raramente se encontrando e frequentemente disputando os direitos de interpretação (Bertilsdotter Rosqvist et al., 2023). Devido ao histórico de medicalização e psiquiatrização do autismo, são os conhecimentos sobre o autismo que não só são considerados os mais confiáveis e convincentes, mas também os mais amplamente disseminados (Murray, 2018). Minha observação a o conhecimento sobre o autismo soma-se à de Vite Hernandez (2022) com relação ao estado do conhecimento sobre deficiência: a maior parte do conhecimento atualmente disponível vem da tentativas de descrever pessoas a/Autistas, sem nenhum diálogo intersubjetivo. Fruto das tentativas de explicar certos comportamentos autistas observados por pessoas que vêm de ambientes médicos e trabalham neles, esse conhecimento é caracterizado por uma retórica patologizante e deficitária (Chapman, 2019 ; Evans, 2013). Essa retórica domina os discursos científicos, governamentais e da mídia (Lefebvre et al., 2023).
Embora a pesquisa participativa represente um caminho promissor para integrar os saberes autistas à produção de conhecimento sobre o autismo (den Houting, 2021; Fletcher-Watson et al., 2019; Pickard et al., 2022) o privilégio histórico concedido aos conhecimentos sobre o autismo teve o efeito de desacreditar, silenciar e invisibilizar os saberes autistas, contribuindo assim para o que os filósofo/a/s descrevem como uma injustiça epistêmica (Fricker, 2007). No caso das pessoas a/Autistas, as injustiças epistêmicas ocorrem com mais frequência quando o saber autista é confrontado com os conhecimento e as perspectivas sobre o autismo. Essas injustiças se multiplicam pela sobreposição das relações de poder. Assim, a invisibilização e o descrédito da perspectiva e da experiência de pessoas a/Autistas mulheres e não binárias são ainda mais acentuados (Coville e Lallet, 2023), assim como o são as de pessoas e grupos a/Autistas que enfrentam o classismo, a heteronormatividade, o racismo e assim por diante.
Injustiças hermenêuticas ou a interpretação errônea de indivíduos e perspectivas autistas
O fato de as compreensões dominantes sobre o autismo e as vivências, experiências e necessidades das pessoas a/Autistas se basearem no conhecimento produzido por pessoas alísticas contribui para uma interpretação e representação incorretas dos indivíduos e perspectivas autistas. Essa realidade, por sua vez, contribui para o que filósofos/as chamam de “injustiça hermenêutica” (Fricker, 2007), que destaca o caráter altamente problemático da interpretação dominante das experiências ou das vivências de pessoas e de grupos sociais marginalizados.
Os conhecimentos sobre o autismo têm origem no que é conhecido como neuronormatividade, ou seja, em um conjunto de normas, valores, expectativas e práticas que favorecem formas de pensamento e funcionamento cognitivo que são consideradas “normais”, “padrão” ou “típicas” (Catala, 2023). A neuronormatividade circunscreve o que é interpretado como "adequado" e "aceitável" e o que é interpretado como “desviante” ou “inferior” em termos de maneiras de perceber e gerenciar informações sensoriais, modos de funcionamento cognitivo (incluindo componentes executivos e atencionais), contato visual, expressões faciais, maneiras de se mover ou expressar ideias, tom e timbre de voz e ritmo de conversação (Catala, 2023). Em um mundo neuronormativo, são as pessoas designadas como "normais" ou "típicas" que determinam o que significa "normal" e "aceitável” (Benson, 2023 ; Catala et al., 2021).
Devido às formas de ser e fazer que se distanciam da norma e, portanto, parecem não convencionais ou incomuns, as pessoas a/Autistas foram (e ainda são) patologizadas, examinadas, dissecadas e analisadas por grupos dominantes que são “alheios” às realidades e experiências do autismo (Benson, 2023). Ainda, a interpretação das experiências autistas pelo prisma da neuronormatividade geralmente leva a interpretações e representações errôneas das pessoas e comunidades a/Autistas e de suas perspectivas. “Stimming” e o despejo de informação (conhecida como “infodumping”), ambos comuns entre pessoas a/Autistas, são bons exemplos12.
Um número crescente de discussões explora como e por que as formas de ser, agir e se comunicar de pessoas a/Autistas, tendem a ser mal interpretadas por pessoas alísticas, contribuindo, assim, para uma percepção desfavorável das pessoas a/Autistas (para uma revisão crítica, consultar Mitchell et al., 2021). Entretanto, deve-se observar que a maneira como os atributos e comportamentos, inclusive os dos a/Autistas, são percebidos e qualificados varia muito de acordo com a perspectiva e o contexto (Grant e Kara, 2021). A esse respeito, foi observada uma grande tensão entre a representaçãodominante do autismo – biomédico, patologizante e deficitário – e a representação feita pelas pessoas a/Autistas (Botha et al., 2022). Em geral, afastando-se do modelo patológico (Bagatell, 2007; Kapp, 2020) para apoiarem-se em modelos de aceitação do autismo (Kapp et al., 2013). A percepção que as pessoas a/Autistas têm de si mesmas são geralmente incompatíveis com as interpretações estigmatizantes dominantes, principalmente aquelas derivadas de perspectivas médicas.
Altamente problemática, a interpretação patologizante e deficitária das experiências ou formas de ser e fazer das pessoas e grupos a/Autistas é acompanhada por preconceitos muito concretos. Por exemplo, enquanto quase todos os serviços formais de apoio acessíveis a pessoas a/Autistas se baseiam na interpretação de suas realidades e necessidades por parte de prestadoras/es de cuidados e serviços de saúde alísticas/os, muitas/os a/Autistas adultos queixam-se de faltas ou inadequações entre suas necessidades e os serviços disponíveis (Huang et al., 2022 ; Vogan et al., 2017).Isso provavelmente se deve, em grande parte, ao fato de que a grande maioria das intervenções propostas a eles tem como alvo os "déficits" e visa modificar comportamentos considerados "inadequados", enquanto são as situações de isolamento ou desfiliação social que causam os impactos mais negativos sobre a saúde mental das pessoas a/Autistas (Milton e Sims, 2016).
É também com base nas representações sociais estereotipadas e deficientes transmitidas pelo conhecimento sobre o autismo (ou, melhor dizendo, sobre o chamado "transtorno do espectro do autismo") que as intervenções do tipo ABA (análise comportamental aplicada) ou ICI (intervenção comportamental intensiva) foram desenvolvidas e, infelizmente, continuam a ser usadas. Muito controversas e amplamente criticadas dentro das comunidades a/Autistas, por grupos que defendem os direitos das pessoas a/Autistas e por um número crescente de pessoas pesquisadoras e profissionais a/Autistas, bem como por alísticos/as, essas abordagens são fundamentalmente baseadas na conformidade com a norma dominante (ou seja, neuronormatividade) e representam uma forma de violência contra as pessoas a/Autistas (para exemplos dessas críticas, consulte Giroux et al. 2021 ; Lynch 2019 ; Ouimet 2023 ; Ram 2020).
Injustiças de testemunho ou o descrédito e a invalidação de indivíduos e perspectivas autistas na pesquisa
A representação negativa e deficitária de pessoas a/Autistas leva ao descrédito e à invalidação de suas perspectivas, inclusive em questões que lhes dizem respeito, devido aos preconceitos de interlocutores/as alísticos/as. Esse fenômeno é conhecido como "injustiça de testemunho" (Fricker, 2007) e refere-se ao ato de não se dar o devido crédito ao testemunho ou à contribuição de uma pessoa devido a preconceitos explícitos ou implícitos. Parece claro para mim que as representações sociais estereotipadas do que é o autismo estão na raiz da dicotomia artificial (histórica e atual) que separa as pessoas que produzem conhecimento ou prestam serviços (alísticas ou assim presumidas) das pessoas que são objetos de conhecimento e recebedoras de serviços (a/Autistas). Essa dicotomia reifica as práticas neuronormativas ou aquelas baseadas em uma lógica de "piedade-caridade" e explica por que o conhecimento e as iniciativas desenvolvidas por a/Autistas e para a/Autistas enfrentam julgamentos, questionamentos - insidiosos ou explícitos - e até mesmo pressões da autoridade alística e médica.
Dito isso, um número crescente de pesquisadores abertamente a/Autistas, principalmente em países anglo-saxões, têm se interessado pela perspectiva e condições de vida de indivíduos e comunidades a/Autistas (Nuwer, 2020). Independentemente de seus objetos de pesquisa ou de suas afinidades paradigmáticas e metodológicas, pessoas pesquisadoras a/Autistas têm um papel inestimável a desempenhar para permitir que as pessoas e comunidades a/Autistas se reapropriem e atualizem suas próprias histórias, além de se libertarem do monopólio epistêmico que alísticas/os historicamente detêm sobre suas experiências (Acevedo, em Dwyer et al., 2021). Inevitavelmente enraizado em suas identidades e experiências como pessoas a/Autistas, o conhecimento que essas pessoas ajudam a produzir frequentemente representa uma ruptura com o trabalho que adota uma visão externa e/ou capacitista do autismo (Coville e Lallet, 2023). Como minha colega Amandine Catala e eu discutimos em um capítulo de livro a ser publicado em uma obra coletiva editada por Damian Milton (Désormeaux-Moreau e Catala, no prelo) muitos/as pesquisadores/as acreditam que a divergência entre suas perspectivas e as de seus/suas colegas alísticos/as se deve não apenas à sua identidade Autista e à interseção entre sua experiência profissional e conhecimento experiencial, mas também à sua postura crítica em relação aos discursos e abordagens neuronormativos. O trabalho de várias pessoas pesquisadoras abertamente a/Autistas está enraizado no movimento neuroqueer13 ou em estudos críticos do autismo14 (consulte, por exemplo, Codina, 2023 ; Walker e Raymaker, 2021).
Essas perspectivas são essenciais para contrabalançar o conhecimento produzido a partir de perspectivas externas (como perspectivas alísticas) e perspectivas universalizantes (Vite Hernandez, 2022). No entanto, muitos dos pesquisadores a/Autistas com quem tenho contato expressam preocupações e experiências difíceis em relação à falta de credibilidade e ao questionamento de sua capacidade de produzir e transmitir conhecimento. Essas injustiças epistêmicas marginalizam as perspectivas autistas e desacreditam pessoas a/Autistas na produção de conhecimento, pois seu posicionamento as/os coloca sob a suspeita de violar a neutralidade epistêmica central à concepção positivista da ciência (Botha, 2021). A ênfase dada à objetividade e à distância supostamente exigida na pesquisa leva, portanto, à reprodução de injustiças. Por um lado, pessoas pesquisadoras alísticas cujo trabalho se concentra no autismo recebem legitimidade quase sistemática, pois sua suposta objetividade lhes dá credibilidade sistemática e onipresente (Botha, 2021). Por outro lado, pessoas pesquisadoras a/Autistas cujo trabalho se concentra no autismo devem constantemente justificar e defender seu envolvimento na criação de conhecimento (Botha, 2021). Com muita frequência, as conclusões de seus trabalhos são invalidadas, isso quando essas pessoas não são totalmente excluídas das iniciativas de desenvolvimento e produção de conhecimento.
O recente processo de reflexão e consulta para o desenvolvimento de futuras políticas públicas sobre o autismo no Canadá (Academia Canadense de Ciências da Saúde, s.d.) é um exemplo notável. Com o objetivo de combinar os resultados da pesquisa sobre autismo com o conhecimento experiencial, essa iniciativa foi realizada sob uma liderança científica totalmente alística. De fato, das 34 pessoas envolvidas no comitê diretor e nos grupos de trabalho mobilizados em torno da iniciativa, 20 tinham (de acordo com suas biografias - Canadian Academy of Health Sciences, nd) um PhD e estavam envolvidas em pesquisas como parte de seu trabalho. Dessas pessoas, nenhuma era a/Autista (ou pelo menos abertamente a/Autista), mas uma foi descrita como mãe (alística) de um adulto autista. Apenas cinco das pessoas envolvidas foram explicitamente identificadas como a/Autistas. Os outros membros eram profissionais alísticas/os (ou supostamente) ou pais e mães alísticos/as (ou supostamente) de crianças a/Autistas, sem doutorado ou cargo de pesquisa. No fim, embora as pessoas a/Autistas tenham sido envolvidas nesse processo de reflexão e consulta, a ausência de pessoas pesquisadoras a/Autistas em seus órgãos de tomada de decisão, como o comitê diretor ou os comitês de trabalho, mostra-se problemática. Efetivamente, o envolvimento de pessoas a/Autistas nessa pesquisa, embora positivo, não é suficiente para garantir uma verdadeira co-construção de conhecimento, devido às dinâmicas de poder em jogo (por exemplo, alísticas/os versus a/Autistas; conhecimento científico versus conhecimento experiencial). Assim, não ter envolvido a/Autistas em formações e cargos de pesquisas sobre autismo pode ter limitado a oportunidade de as perspectivas autistas influenciarem significativamente o projeto, a condução e a interpretação da pesquisa. Conforme argumentado por Milton e Bracher (2013), a marginalização de pesquisadores/as a/Autistas e de suas perspectivas em pesquisas de ciências sociais sobre as realidades e vivências de outras pessoas a/Autistas é epistemológica e eticamente problemática.
Injustiças contributivas ou a recusa de alísticas/os em reconhecer e usar o conhecimento autista
Em sua maior parte desenvolvidos com base em preconceitos neuronormativos, o conhecimento sobre o autismo dá pouco ou nenhum crédito à experiência e aos saberes a/Autistas. Esse fenômeno é parte do que Dotson (2012) chama de "injustiça contributiva". Isso ocorre quando grupos não dominantes desenvolvem conhecimento para dar conta de suas experiências, mas os grupos dominantes se recusam a reconhecê-lo e usá-lo, apesar de terem acesso a ele.
Ao longo do tempo, as pessoas a/Autistas criaram uma infinidade de recursos hermenêuticos, alternativos ao conhecimento dominante sobre o autismo, para explicar e dar sentido à sua realidade. Desenvolvido com base na experiência vivida, os saberes autistas constituem um conhecimento experiencial valioso, que não deve ser confundido com experiência vivida, narrativa ou testemunho, pois, na verdade, baseia-se em uma compreensão construída das situações (Gardien, 2019). O saber autista tem suas raízes não apenas na coletivização do conhecimento experiencial (ou seja, uma compreensão crítica e política dessa experiência [Leblanc-Omstead e Mahipaul, 2022]), mas também no conhecimento prático (em outras palavras, o conhecimento construído na ação cotidiana para refletir sobre e resolver os problemas encontrados [Léziart, 2010])15 por a /Autistas.
O advento da Web provou ser uma ferramenta inestimável para promover o desenvolvimento e a disseminação do conhecimento autista dentro de grupos e comunidades a/Autistas. No entanto, apesar de as ideias e formas de conceber ou estudar o autismo que se desviam do pensamento e do discurso dominantes sejam acolhidas com entusiasmo, tanto nas comunidades a/Autistas quanto nas ciências sociais - pensemos, em particular, no duplo problema da empatia (Milton, 2012) e na aplicação do modelo de estresse minoritário à população a/Autista (Botha e Frost, 2020) - esses recursos penam para criar seu espaço ao lado do conhecimento dominante sobre o autismo. Na verdade, eles são os mais frequentemente descartados ou desacreditados pelos grupos dominantes, que incluem profissionais da saúde e pessoas pesquisadoras alísticas. Essa injustiça resulta daquilo que Pohlhaus (2012) chamou de "ignorância hermenêutica intencional", que ocorre quando aqueles em uma posição dominante se recusam a reconhecer o conhecimento alternativo (ou seja, o conhecimento autista) que lhes permitiria entender realidades diferentes das suas. Na comunidade científica, as injustiças contributivas se manifestam especialmente pelo fato de que muitas discussões sobre neurodiversidade, entre outras coisas, foram e continuam a ser publicadas em blogs, revistas virtuais ou capítulos de livros, mais do que em periódicos revisados por pares (Chapman e Botha, 2023), os quais, apesar das inúmeras críticas (Ertzscheid, 2018), ainda são apresentados como a quintessência da divulgação científica.
A descrição popular e persistente do autismo como um distúrbio da comunicação social está intrinsecamente ligada às injustiças contributivas enfrentadas pelas pessoas pesquisadores a/Autistas e à ignorância hermenêutica intencional das pessoas pesquisadoras e profissionais alísticas.16 Tal descrição baseia-se não apenas na rejeição do conhecimento autista que desafia a representação patologizante e individualizante do autismo, mas também na óbvia ignorância do conceito do duplo problema da empatia pelos grupos dominantes. Proposto por Milton (2012) há mais de dez anos para explicar os problemas de comunicação entre pessoas a/Autistas e pessoas alísticas, esse conceito é amplamente aceito nas comunidades a/Autistas. Apoiado por vários estudos empíricos (para uma revisão, consulte Milton et al., 2023). Ele também é facilmente acessível e amplamente divulgado. Por exemplo, uma pesquisa no Google realizada em 9 de agosto de 2024 produziu cerca de 2.870.000 resultados (em 0,36 segundos) para as palavras-chave "double problème de l’empathie" [“problema de dupla empatia”, em francês] e cerca de 36.000.000 (em 0,23 segundos) para as palavras-chave "double empathy problem" [problema de dupla empatia, em inglês]. A recusa dos grupos dominantes em reconhecer e usar esse conceito é uma injustiça que contribui para manter a falsa ideia de que os problemas de comunicação entre pessoas alísticas e a/Autistas são causados pelo funcionamento neurocognitivo dessas últimas (Milton et al., 2023) e seus supostos "déficits e dificuldades" de comunicação. Essa injustiça ajuda a tornar invisível o fato de que as interações entre pessoas alísticas e a/Autistas ocorrem em contextos marcados por relações de poder desiguais (Milton et al., 2022) que estão no centro das experiências e do discurso das pessoas a/Autistas. Isso também gera uma cascata de preconceitos, três dos quais são explicados nos parágrafos a seguir.
Em primeiro lugar, a recusa em reconhecer o fenômeno do problema da dupla empatia ajuda a perpetuar a estigmatização e a opressão de pessoas e comunidades a/Autistas. Com base em práticas neuronormativas que desencorajam, excluem e/ou marginalizam as pessoas a/Autistas, essas ideias preconcebidas geralmente afetam seu potencial e sua contribuição para a produção de conhecimento. Por exemplo, é provável que os retratem como pessoas com as quais é difícil interagir, colaborar ou trabalhar, o que provavelmente limitará as oportunidades às quais as pessoas têm acesso.
Em segundo lugar, com base em seus supostos "déficits e dificuldades" de comunicação, várias práticas e técnicas de intervenção são impostas às pessoas autistas, principalmente às crianças. Essas são práticas psicossociais ou de reabilitação destinadas a desenvolver suas habilidades sociais e "normalizar" seu comportamento social (Désormeaux-Moreau et al., 2024). O problema com essas práticas é que elas não atribuem às pessoas alísticas responsabilidade suficiente pela comunicação neuromista - ou seja, a comunicação entre pessoas com identidades diferentes e os chamados perfis neurocognitivos, como é o caso da comunicação entre pessoas alísticas e a/Autistas – reforçando, assim, as desigualdades na comunicação. Dessa forma, eles transmitem uma ideologia segundo a qual os danos sociopolíticos macrossistêmicos (nesse caso, a opressão das pessoas a/Autistas) podem ser resolvidos em nível individual, aprendendo e imitando formas de ser e fazer consideradas "normais" (Garland-Thomson, 2004).
Em terceiro e último lugar, a recusa dos grupos dominantes em reconhecer e usar o conceito do problema da dupla empatia faz com que pessoas a/Autistas recorram à camuflagem social (também conhecida como mascaramento). Discutido em grupos e comunidades a/Autistas (Milton e Sims, 2016), o conceito de camuflagem social é, por si só, um recurso hermenêutico alternativo mobilizado por a/Autistas para explicar as estratégias usadas para evitar a marginalização, a estigmatização e a exclusão. No entanto, ela se refere a um fenômeno que é deliberadamente ignorado no conhecimento biomédico dominante e nas interpretações do autismo, resultando na negação da identidade autista e na recusa em fornecer os serviços de apoio solicitados, devido a um perfil que não corresponde aos estereótipos do autismo. Na verdade, a camuflagem social se baseia no uso de várias estratégias para ocultar ou modificar, de forma intelectualizada ou não, as respostas e reações intuitivas e espontâneas para se adequar às expectativas neuronormativas (Miller et al., 2021 ; Pearson e Rose, 2021). A camuflagem social tem muitos efeitos adversos, como fadiga e exaustão, estresse e ansiedade, confusão e perda de identidade e isolamento ou autoexclusão, além de estar correlacionada com a redução do bem-estar, taxas mais altas de depressão e suicídio (Chapman e Botha, 2023).
Neurodiversidade Lite, ou a instrumentalização dos conceitos de neurodiversidade
Neurodiversidade Lite (Neumeier, 2018) refere-se ao uso da retórica dos movimentos de neurodiversidade sem uma verdadeira compreensão de suas premissas subjacentes. Concretamente, ela se manifesta como uma demonstração pública de apoio à neuroinclusão, sem nenhuma compreensão real das premissas que sustentam o paradigma da neurodiversidade17 e sem nenhum desejo de mudar e transformar os hábitos e as práticas existentes. Um aspecto central da abordagem Neurodiversity Lite é a empatia fingida para com a/Autistas (e outros indivíduos neuromenorizados18), sem nenhum conhecimento real ou respeito pela neurodiversidade, nem qualquer compreensão ou compaixão pela neuromenorização (Désormeaux-Moreau e Catala, no prelo).
O uso do termo neurodiversidade é um exemplo claro, na interseção da injustiça epistêmica e da Neurodiversidade Lite. O uso cada vez mais frequente do termo "neurodiversidade" por grupos dominantes geralmente não leva em conta a complexidade e a riqueza das perspectivas das pessoas e dos movimentos a/Autistas por trás do conceito (para exemplos de trabalhos baseados em um entendimento que deturpa o conceito de neurodiversidade, ver Go Jefferies e Ahmed, 2022; Hochmann, 2020; Westgarth, 2024) e, na maioria das vezes, obscurece as nuances fornecidas pelos defensores do movimento da neurodiversidade (Chapman e Botha, 2023). Ao fazer isso, o conceito é despolitizado, a ponto de se tornar praticamente inútil e totalmente ineficaz para contribuir para uma mudança real, e completamente desvinculado da comunidade que o originou (Désormeaux-Moreau e Catala, no prelo). Por exemplo, Singer (1998; 1999) cujos trabalhos representam o primeiro estudo social conhecido do movimento da neurodiversidade, raramente é citado. O movimento coletivo por trás da conceitualização da neurodiversidade é ainda mais raramente reconhecido, e os indivíduos e grupos que contribuíram para seu surgimento quase nunca são creditados (Botha et al., 2024). Pior ainda, o termo neurodiversidade é frequentemente usado sem ao menos fazer referência ao fato de que se trata de uma ideia desenvolvida para desafiar a representação patologizante do autismo e de outros perfis neurocognitivos19. Em minhas atividades acadêmicas, especialmente como parte de comitês de trabalho ou em uma função de avaliação de solicitações de bolsas, dissertações ou exames de doutorado, às vezes observo que indivíduos e equipes se referem à neurodiversidade, ou até mesmo afirmam que o paradigma da neurodiversidade orienta seus trabalhos ou sua abordagem, ao mesmo tempo em que mantêm um discurso estigmatizante e patologizante, baseando suas atividades em uma interpretação de déficit ou, pelo menos, em uma interpretação normativa dos comportamentos e das formas de ser e de fazer das pessoas a/Autistas - e de outras pessoas neuromenorizadas, ou propondo intervenções centradas no desenvolvimento de habilidades individuais e na normalização (para exemplos e uma reflexão mais aprofundada, ver Désormeaux-Moreau e Catala, no prelo).
Essas e outras práticas relacionadas são problemáticas e prejudiciais. Em primeiro lugar, os discursos que descrevem os perfis neurocognitivos usando uma linguagem patologizante e deficitária - como é o caso quando falamos do chamado "transtorno do espectro do autismo" (ou do chamado "transtorno de déficit de atenção" ou "transtorno de aquisição de coordenação") - são incompatíveis com os movimentos da neurodiversidade. Na realidade, esses movimentos têm como objetivo fundamental resistir e desmantelar a hierarquia socialmente construída dos perfis neurocognitivos (Catala, 2023) e, consequentemente, sua patologização. Nesse sentido, as pessoas comprometidas com a neurodiversidade devem promover e propor um vocabulário e perspectivas que rompam com o modelo médico (Lefebvre et al., 2023). Em segundo lugar, a tendência generalizada de usar os termos "neurodiversidade" e "neurodivergência" de forma intercambiável (por exemplo, ao se referir a uma pessoa neurodiversa ou a uma pessoa que se preocupa com neurodiversidade) também reflete um mal-entendido sobre o que é a neurodiversidade, qual seja, um fato natural que corresponde à extensão da variação neurocognitiva que caracteriza a espécie humana / a humanidade (Singer, 1999). Tais usos são gramatical e conceitualmente incorretos20, além de ajudarem a negar o desconforto neuronormativo em relação ao autismo e à neuromenorização, reforçando, assim, o estigma associado a eles (Catala, 2023). Em terceiro e último lugar, as práticas voltadas para o desenvolvimento das habilidades individuais das pessoas a/Autistas, com vistas à normalização (por exemplo, grupos de desenvolvimento de habilidades sociais, protocolos de dessensibilização sensorial, abordagens comportamentais voltadas para a supressão dos movimentos de autoestimulação) representam o paroxismo da instrumentalização do paradigma e dos movimentos da neurodiversidade. Com base em uma lógica de padronização, essas práticas negam ou limitam as formas de ser, pensar, falar, fazer e viver que se desviam da neuronormatividade. A resistência à padronização é fundamental para o ativismo da neurodiversidade. Nesse ponto, e ao contrário de uma crítica comum ao discurso dominante, as perspectivas baseadas na neurodiversidade não questionam todas as formas de intervenção ou todos os aspectos da abordagem médica. Na verdade, elas rejeitam específica e unicamente as intervenções e abordagens que buscam "normalizar" a pessoa para torná-la indistinguível de seus pares neuronormalizados (Kapp, 2020), pela eliminação de formas de ser ou de fazer que desagradam aos grupos dominantes, mas que, no entanto, beneficiam es a/Autistas21 (ou outras pessoas neuro-normalizadas) (Bertilsdotter Rosqvist et al., 2023). Além de serem diretamente prejudiciais às pessoas autistas, as práticas voltadas para o desenvolvimento de habilidades individuais não valorizam verdadeiramente a neurodiversidade, pois perdem a oportunidade de localizar a fonte das dificuldades encontradas no ambiente, e não no indivíduo. De fato, uma compreensão verdadeiramente baseada na neurodiversidade explica a experiência da deficiência, como a angústia des a/Autistas (e de outras pessoas neuromenorizadas), em termos de barreiras sociais e ambientais, em vez de questões médicas (Chapman e Botha, 2023).
Humildade epistêmica e autodesempoderamento, ou como romper com práticas que são fontes de injustiça epistêmica e Neurodiversity Lite
Nossa posição social condiciona nosso acesso ao conhecimento e nos impõe limitações epistêmicas. Consequentemente, é fundamental adotar uma postura de humildade epistêmica, o que implica reconhecer nossa ignorância ou falta de compreensão, devido à nossa experiência situada e, portanto, limitada. Nesse ponto, e conforme articulado na teoria dos pontos de vista e em outros trabalhos relacionados a pontos de vista epistemológicos, todo conhecimento é situado, ou seja, inscrito em um contexto histórico, cultural e material específico (Flores Espínola, 2012; Harding, 2004). Portanto, convém lembrar que a medicalização e a psiquiatrização do autismo e das pessoas a/Autistas são um reflexo da chamada "normalidade", tal como é definida atualmente. As habilidades e os traços que são valorizados variam de acordo com o tempo, a cultura e o lugar, o que significa que as experiências humanas que são patologizadas e descritas como "transtornos" mudam à medida que a sociedade evolui. Recordemos, por exemplo, o destino da "homossexualidade", que foi removida do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, de 1973, em resposta às demandas e ações de grupos militantes (Descher, 2015).
No final das contas, o problema não é que pessoas alísticas pesquisem e contribuam para o desenvolvimento do conhecimento sobre as experiências, vivências e necessidades de a/Autistas. Pelo contrário, é possível que pessoas alísticas usem a pesquisa e sua condição de pesquisadoras/es para documentar o conhecimento autista e ampliar as perspectivas das pessoas a/Autistas. (veja, por exemplo, Academic Autism Spectrum Partnership in Research and Education, n. d.; Courcy, 2021). O problema reside sobretudo na universalização de interpretações alísticas e na negação, ou mesmo no descrédito, da perspectiva de pessoas e coletivos a/Autistas. A esse respeito, quando os grupos dominantes não reconhecem suas limitações epistêmicas e resistem às contribuições das pessoas a/Autistas - conforme explicado e ilustrado nos parágrafos anteriores - eles demonstram ignorância ativa e arrogância epistêmica. Portanto, a consciência de que sua compreensão e interpretação são duplamente parciais (só abrangem uma parte e parcialmente) é essencial para permitir que esses grupos assumam a responsabilidade de se aproximar de outros para ampliar suas perspectivas. (Vite Hernandez, 2022) e, como resultado, avançar em direção a uma compreensão mais justa e matizada que somente a co-construção do conhecimento torna possível. Pessoas que pertencem a grupos dominantes também devem reconhecer os privilégios que lhes são conferidos por sua condição de neuronormalizadas e rever seus papéis e seu envolvimento, seja como pesquisadoras, clínicas ou professoras, ou como pai ou mãe, por exemplo. Eles devem se esforçar para reduzir seu poder e seus vínculos de cumplicidade e conivência com a maioria neuronormalizada (Désormeaux-Moreau e Courcy, 2024). Nesse sentido, para desconstruir e desmantelar o privilégio, eles devem primeiro reconhecer que o incorporam e entender como ele se materializa na vida cotidiana (Vite Hernandez, 2022). Em seguida, devem adotar uma postura e uma prática de autodesempoderamento: nesse sentido, é essencial que renunciem aos privilégios excedentes que lhes são conferidos pela neuronormatividade, pois um privilégio que não é redistribuído é mantido (Désormeaux-Moreau e Courcy, 2024).
Conclusão
Enraizando-me na interseção de meus conhecimentos experienciais, profissionais e científicos - enquanto pesquisadore e Autista -, explorei e expus as tensões entre o conhecimento sobre o autismo e os saberes autistas, enquanto discutia sua ancoragem (tudo menos objetividade!) na neuronormatividade. A esse respeito, vale a pena lembrar as consequências prejudiciais das injustiças hermenêuticas, testemunhais e contributivas que afetam a capacidade das pessoas a/Autistas de conhecer, produzir e transmitir conhecimento. Pessoas a/Autistas são perfeitamente capazes de produzir e mobilizar conhecimentos para explicar e discutir suas experiências, em um entendimento alternativo às ideias dominantes que patologizam e inferiorizam suas realidades. Entretanto, os preconceitos neuronormativos que estruturam os sistemas e as correntes dominantes de produção de conhecimento tendem a ignorar, desacreditar ou instrumentalizar as experiências e perspectivas de a/Autistas. Os conceitos de extrativismo epistêmico e Neurodiversity Lite são úteis para ilustrar e denunciar esses fenômenos.
Como disse em minha introdução, minha pesquisa é comprometida e militante. Essa postura, que vai contra a ideologia dominante que defende a neutralidade e a objetividade na pesquisa, muitas vezes provoca críticas, como é o caso em Quebec (Canadá) (Veilleux, 2023) onde moro e trabalho. Entretanto, todas as pesquisas e todas as relações com o conhecimento são social e historicamente situadas. As minhas são, assim como as dos pesquisadores que pertencem a grupos dominantes e afirmam estar fazendo pesquisa neutra, objetiva e imparcial.
O papel de militante é um assunto que tem recebido relativamente pouca atenção no contexto da pesquisa francófona sobre deficiência (Veilleux, 2023) - e menos ainda no contexto da pesquisa francófona sobre autismo. No entanto, adotar uma postura ativista é útil (até mesmo essencial!) para uma reavaliação crítica do pensamento dominante nas ciências sociais (Salomon Cavin et al., 2021) mas também de forma mais ampla. Ao cultivar uma postura de humildade epistêmica e adotar, dependendo de nossas respectivas identidades e posições, uma postura comprometida e militante, uma postura de autodesempoderamento ou uma combinação dessas posturas, espero que possamos transformar as práticas de pesquisa e a produção de conhecimento sobre o autismo e sobre as experiências e necessidades das pessoas a/Autistas. E espero que, ao fazer isso, desmantelemos nossas sociedades neuronormativas e co-construamos espaços de trocas e aprendizado que promovam sua emancipação e inclusão total.