Resumo

Nos territórios ultramarinos franceses, as desigualdades sociais são agravadas pelas desigualdades territoriais, que acentuam o gradiente social em termos de saúde e produzem uma vulnerabilidade específica. Estudar a influência da situação pós-colonial em Guadalupe sobre os hábitos de vida das pessoas consideradas com deficiência significa levar em conta as "dominações arraigadas" em ação nesses territórios. A pesquisa DECIBEL-G (DEfiCience audItive: Besoins et Leviers en Guadeloupe) concentra-se na população surda e com deficiência auditiva do arquipélago de Guadalupe, usa uma metodologia de coleta de dados mista (questionários e entrevistas) e cruza fontes de informação (população-alvo: pessoas surdas e com deficiência auditiva e suas famílias; profissionais e atores no campo da surdez). Os dados referem-se, prioritariamente, à participação social de pessoas surdas e com deficiência auditiva e aos obstáculos limitantes que essas pessoas encontram, principalmente no campo da saúde. Os resultados são consistentes com as análises sócio-históricas dos usos do corpo e das mobilizações coletivas de pessoas com deficiência em Guadalupe. Além disso, mostram uma relação ambivalente com a França continental e as pessoas ditas "válidas", entre uma busca por assimilação e igualdade diante da falta de acessibilidade e de um desejo de emancipação por meio da afirmação de especificidades culturais e corporais. Diante do discurso médico, a recusa à ideia de "conserto" coincide, para a comunidade Surda, com mecanismos de resistência à dominação e reivindicações identitárias.

Plano

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Introdução

Este artigo examina a participação social e as condições de vida de pessoas surdas e com deficiência auditiva1 em Guadalupe. Até o momento, nenhum estudo identificou com precisão as dificuldades específicas enfrentadas por essas pessoas no departamento ultramarino francês.

Os dados apresentados aqui são provenientes do estudo intitulado DEfiCience audItive: BEsoins et Leviers en Guadeloupe (DEfiCiência audItiva: desafios e estratégias em Guadalupe (DECIBEL-G)2, financiado pela Agência Regional de Saúde (ARS3) de Guadalupe. A pesquisa teve por objetivo: i) esboçar uma "morfologia social" (características sociodemográficas, trajetórias de vida) das pessoas surdas e com deficiência auditiva; ii) identificar os recursos humanos e institucionais de apoio a essas pessoas disponíveis na região; e iii) identificar os facilitadores, bem como obstáculos e necessidades, de acordo com os espaços considerados (familiar, escolar, médico e social), cruzando as fontes de informação (população-alvo e profissionais-atores ligados à surdez).

Este trabalho baseia-se em uma abrangente coleta de dados por questionário e entrevista e, portanto, oferece uma contribuição original. Num primeiro momento, ele atualiza e enriquece os dados das pesquisas nacionais, que raramente incluem a população surda e com deficiência auditiva, e de forma limitada e tardia incluem os territórios ultramarinos. Do ponto de vista estatístico, a cobertura da deficiência na França tem sido alvo de críticas, como as expressas pelo Défenseur des droits en France4 (2020), que apontou a falta de dados5. Os dados sobre surdez são, geralmente, apresentados em meio àqueles que comportam todas as deficiências, ou integram a categoria "deficiências sensoriais" que engloba as deficiências visuais. Quando a deficiência auditiva é considerada uma categoria à parte, isso ocorre de forma também generalizante, sem distinção, por exemplo, entre pessoas que se comunicam em língua de sinais (Geffroy e Leroy, 2018). Em geral, por questões metodológicas (Fontaine, 2015), mas também identitárias entre os entrevistados (por receio de uma assimilação da surdez nos registros de doença, segundo Sitbon, 2015), poucas pesquisas são baseadas em uma amostra representativa, possuindo dados coletados tardiamente entre populações ultramarinas. Frequentemente, os dados fazem referência à "França metropolitana"6 e depois são generalizados para toda a população francesa. Os resultados de pesquisas nacionais, que incluem os departamentos ultramarinos (Handicap-Santé, 2008, Géran, 2011; Dubost, 2018; EHIS 2019, Leduc et al., 2021), indicam uma "prevalência de deficiências" semelhante (sendo as principais visuais, motoras e psicológicas) em Guadalupe e na França hexagonal. 30% da população com 15 anos ou mais relata ter restrições de atividade, e a deficiência afeta uma proporção maior de entrevistados em Guadalupe do que aqueles em nível nacional (11% contra 9%). Em termos de dificuldades auditivas, a frequência de dificuldades graves ou moderadas é menor em Guadalupe, e essa diferença é explicada pela suposição de um ambiente, em geral, menos barulhento. Entretanto, a porcentagem exata é fornecida apenas para os entrevistados com 55 anos ou mais.

Num segundo momento, este trabalho mobiliza a literatura científica sobre surdez nas ciências sociais. O termo "deficiência auditiva" certamente faz parte da abordagem médica: ele pressupõe que uma função, a audição, que geralmente é possibilitada por um conjunto de estruturas anatômicas, é defeituosa. Entretanto, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)7, essa designação inclui os deficientes auditivos e as pessoas surdas. Como a pesquisa concentra-se em pessoas surdas, com deficiência auditiva e que perderam a audição, esse termo, conforme usado pelos financiadores do projeto8, foi mantido no título do estudo. No entanto, ele será empregado com menor frequência, exceto em contextos médicos ou funcionais; "pessoas surdas e com deficiência auditiva" será adotado para designar o conjunto dos participantes da pesquisa. Este projeto inscreve-se, portanto, em uma perspectiva social, sistêmica e ecológica da saúde e da deficiência no âmbito dos trabalhos que valorizam o processo de produção cultural da deficiência e consideram a comunidade surda como uma minoria linguística. Essa abordagem da surdez nos incentiva a nos afastarmos de uma perspectiva biomédica e a invertermos nossa visão da deficiência: basta pensar em uma pessoa com audição que não utiliza a língua de sinais em um mundo em que a maioria é surda. O status de deficiência é, portanto, produzido pela interação entre fatores ambientais e socioculturais e as características orgânicas e funcionais do indivíduo: embora as deficiências e os impedimentos pertençam ao indivíduo, sua influência na participação depende das possibilidades oferecidas e valorizadas pelo ambiente (Fougeyrollas, 2010). Quentin usa o termo “invalidados” ("invalidés") (2019) para se referir às pessoas com deficiência cuja "capacidade de participar da sociedade foi invalidada por uma estrutura social e arquitetônica que não as leva em consideração desde o início" (2019, 45). Na esteira dos Disability Studies (Albrecht et al., 2001), ligados aos movimentos sociais de pessoas com deficiência, e mais particularmente dos Deaf Studies (Padden e Humphries, 1988), o Surdo9 não é visto como doente, mas como ator social historicamente oprimido por pessoas ouvintes e que luta por seus direitos e por participação social e cívica (Stiker, 2005; Mottez, 2006; Gaucher, 2009; Bertin, 2010). Entretanto, os debates sobre modelos de deficiência e políticas para pessoas surdas e com deficiência auditiva têm sido liderados principalmente por ativistas e acadêmicos ocidentais, brancos e de classe média (Assaf, 2024). Contribuições mais recentes, como as dos Black Disability Studies (Bell, 2006; Schalk, 2022), levam em conta o acúmulo de discriminação, especialmente com base na raça. Com relação à surdez, a intersecção da identidade surda, da etnia e da diversidade tem sido estudada pelo prisma das pessoas negras surdas em comunidades afro- estadunidenses, moldadas por duas culturas (Devlieger et al., 2007; Solomon, 2018; Dunn e Anderson, 2020). Consideradas uma minoria em uma sociedade predominantemente ouvinte e branca, as pessoas surdas negras são duplamente prejudicadas em razão da discriminação racial e das barreiras de comunicação.

Na França, estudar a influência da situação pós-colonial sobre as desigualdades e as condições de vida das pessoas surdas significa levar em conta as "dominações arraigadas" em ação nos territórios ultramarinos (Lemercier et al., 2014). O Défenseur des droits en France menciona disparidades significativas no tratamento de pessoas com deficiência, dependendo do local de residência, e, em relação aos territórios ultramarinos, destaca que as violações dos direitos observadas na França continental são ainda mais acentuadas10. Além das desigualdades sociais, há também desigualdades territoriais, o que significa que o gradiente social na saúde (a correspondência entre as diferenças na saúde observadas entre os indivíduos e sua posição na hierarquia social, ao longo de um continuum) pode ser acentuado, acarretando uma vulnerabilidade específica nesses territórios (Dubost, 2018; Bagein et al., 2022)11.

Esse estudo baseia-se em um território ultramarino localizado a quase 7.000 km da França hexagonal: o arquipélago de Guadalupe, composto por quatro ilhas habitadas. O passado colonial de Guadalupe, marcado pelo comércio de escravos, moldou sua história única e multicultural (Virapatirin, 2022), bem como sua relação ambivalente com a "amarga pátria" (Dumont, 2010). Alguns estudos que adotam uma abordagem sócio-histórica se concentraram nos usos do corpo e nas mobilizações coletivas das pessoas com deficiência física em Guadalupe (Ruffié e Villoing, 2020; Villoing et al., 2016; Ferez e Ruffié, 2015; Villoing e Ruffié, 2014). Essas análises, conduzidas à luz do contexto pós-colonial, esclarecem sobre como as normas hierárquicas, produzidas pela posição do "dominante"- visto como "válido", sobredeterminam disposições complexas. Essas disposições traduzem-se em um movimento de aproximação com a França continental e um desejo de igualdade e de acesso igualitário aos direitos (garantidos no que tange às estruturas e aos serviços), que coexistem com uma busca por autonomia e com uma reivindicação de singularidade cultural e corporal. Essas demandas são compartilhadas por muitos membros da comunidade surda de Guadalupe, que, recentemente, se uniram para formar o Mouvement Citoyens Sourds (Movimento dos Cidadãos Surdos). Esse coletivo foi formado em resposta à inauguração, em novembro de 2018, de uma obra de arte chamada "Ma sourde oreille"12 (literalmente, Meu ouvido surdo), instalada em uma rotatória para chamar a atenção dos motoristas. Para o coletivo, o símbolo escolhido da orelha transmite a representação de uma deficiência ligada à ausência de significado, a partir de uma perspectiva patologizante: "surdez apreendida do ângulo da deficiência e da 'discriminação'", enquanto o logotipo "Mãos sobre fundo azul" [pictograma que simboliza a língua de sinais] "[teria enfatizado, em vez disso,] a acessibilidade na língua de sinais e seu reconhecimento como a língua dos Surdos.13"

Figura 1: Fotografia da escultura "Ma Sourde Oreille", Baie-Mahault, Guadalupe.

Figura 1: Fotografia da escultura "Ma Sourde Oreille", Baie-Mahault, Guadalupe.

De modo mais geral, o Mouvement Citoyens Sourds tem como objetivo aumentar a conscientização pública e alertar as autoridades públicas e as comunidades sobre as condições de vida e as dificuldades enfrentadas pelas pessoas surdas e com deficiência auditiva em Guadalupe. O objetivo primordial é melhorar a acessibilidade na vida cotidiana (por exemplo, por meio do treinamento de intérpretes da língua de sinais, da acessibilidade das administrações públicas e, em particular, dos estabelecimentos de saúde, da legendagem dos noticiários e da introdução do bilinguismo no sistema de educação nacional). Trata-se de acabar com a invisibilidade das pessoas surdas e com deficiência auditiva em Guadalupe e "quebrar sua solidão14".

Método

Este estudo foi realizado em várias etapas: uma pesquisa exploratória possibilitou a coleta do conhecimento experimental das partes interessadas (pesquisadores, membros da comunidade surda, associações locais e atores no campo da deficiência e/ou surdez) e uma melhor identificação dos desafios da população-alvo, antes de ajustar o método e as ferramentas de coleta de dados por meio de momentos de co-construção. Também foram identificadas várias questões que afetaram a pesquisa e a coleta de dados: em primeiro lugar, a necessidade de não limitar o formato do questionário a uma forma escrita. Além das dificuldades de decodificação, o nível de letramento e a compreensão do significado foram citados como obstáculos à realização de uma pesquisa cujo conteúdo era muito complexo. Do ponto de vista quantitativo, as escalas de medição inicialmente planejadas, a Measure of Living Habits (Medida dos Hábitos de Vida) (MHAVIE, Fougeyrollas et al., 2014) e a Measure of Quality of Environment (Medida da Qualidade do Ambiente) (MQE, Fougeyrollas et al., 2008), não puderam ser usadas, mas inspiraram o questionário criado para a pesquisa. A adaptação dos princípios do MQE permitiu a obtenção das seguintes informações: em primeiro lugar, dados sociodemográficos e condições materiais e sociais de vida; em segundo lugar, o percurso de cuidados e os problemas de saúde; e, por fim, as informações referentes à vida cotidiana- dados sobre assistências humanas e técnicas, o grau de conformidade com 27 hábitos de vida e a mobilidade geográfica- em particular para a França continental. O questionário foi disponibilizado em papel ou em formato digital e pôde ser preenchido pelo participante ou administrado pelo entrevistador, acompanhado por um intérprete, que fornece interpretação das perguntas na Língua de Sinais Francesa (LSF)15, das modalidades de resposta e das respostas do participante. A versão digital on-line foi criada usando o software de pesquisa e de análise de dados Sphinx.

Para complementar e contextualizar esses dados quantitativos, a pesquisa de campo também empregou metodologia qualitativa:

1) Entrevistas biográficas, uma escolha metodológica alinhada com o desejo de promover a abordagem narrativa da experiência da deficiência (Ville, 2008). Elas foram realizadas com pessoas surdas e com deficiência auditiva (na presença de um intérprete, quando necessária) e, às vezes, com suas famílias. Os tópicos abordados foram os mesmos do questionário: situação socioeconômica, biografia familiar, itinerário de cuidados, atividades realizadas e formas de realizá-las (vida cotidiana, escola, trabalho, atividades cívicas e culturais), em ambientes familiares, extrafamiliares e institucionais; configurações relacionais e processos de (des)socialização ligados à deficiência nesses diferentes espaços.

2) Entrevistas semiestruturadas com profissionais e partes interessadas dos setores educacional, social, médico-social, profissional e associativo, com o objetivo de criar um painel diversificado para toda a população-alvo (crianças e adolescentes, adultos, idosos, população ativa). O objetivo era questioná-los sobre seu conhecimento experimental, questões relacionadas à surdez e ao contexto local, percepção dos recursos humanos e institucionais e a coerência existente entre esses recursos e as necessidades das pessoas surdas e com deficiência auditiva.

Para o recrutamento de sujeitos, a técnica de amostragem não probabilística conhecida como "amostragem em bola de neve" (Goodman, 1961), próxima do Respondent Driving Sampling16 foi privilegiada. A amostragem de populações com contornos imprecisos, difíceis de alcançar devido a características potencialmente estigmatizantes, ou "raras" por serem pouco acessíveis às ferramentas estatísticas, constitui um desafio significativo nas ciências sociais (Bataille et al., 2018). Alguns entrevistados, devido à posição ocupada na rede de vínculos, atuaram como gatekeepers (mediadores, segundo Olivier De Sardan, 2007), o que facilitou o acesso ao campo, a aceitabilidade e a divulgação da pesquisa e, portanto, a coleta de dados. A esse respeito, o envolvimento de associações (especialmente a parceria com a associação Bébian Un autre Monde) e de intérpretes foi decisivo para divulgar a pesquisa e inspirar confiança na comunidade surda. Sua divulgação junto às pessoas envolvidas no apoio às pessoas surdas em Guadalupe ou, de forma mais ampla, pessoas com deficiência, também foi muito útil.

Fontes de informações e participantes

No total, mais de setenta informantes participaram da pesquisa. Especificamente, 57 participantes preencheram o questionário. A amostra (n = 57; média de idade, M = 42,6; desvio padrão, DP = 13,9) consistiu em 34 mulheres (M = 44,3; DP = 14,4; 63,1%) e 23 homens (M = 40,04; DP = 13,02; 36,9%).

Do ponto de vista qualitativo, os entrevistados são profissionais da área, partes interessadas ou atores no campo da deficiência ou da surdez, pessoas surdas ou com deficiência auditiva e suas famílias. Além das entrevistas (n = 36, duração média de uma hora), que constituem o núcleo do material discursivo, extraímos cerca de vinte unidades qualitativas de várias fontes e de trocas formais e informais (reuniões de co-construção, trocas pós-questionário, oficinas, plantões no Centro Hospitalar Universitário, seminários, reuniões de Surdos). Portanto, o volume indicado reflete o número de entrevistas e não o número de informantes contatados. Como muitos dos interlocutores têm deficiência auditiva ou pertencem a um círculo próximo de pessoas surdas ou com deficiência auditiva, quase metade das entrevistas (n = 15) foi do tipo "histórias de vida". Cada conteúdo discursivo foi transcrito (literalmente) para análise temática e depois anonimizado.

As características da amostra de pessoas surdas e com deficiência auditiva são mostradas na tabela abaixo:

Tabela 1. Características sociodemográficas, início da surdez e autodefinição de pessoas surdas e com deficiência auditiva

Características

N (%)

Estado civil

Casado/ União estável

24 (56,4%)

Solteiro

31 (43,6%)

Grau de escolaridade

 

Fundamental incompleto

5 (9,1%)

Fundamental completo

27 (49,1%)

Ensino Médio

14 (25,5%)

Superior

9 (16,4%)

Situação profissional

 

Ativos

21 (38,9%)

Inativos

27 (50%)

Aposentados

6 (11,1%)

Início da surdez

 

De nascença

34 (59,6%)

Adquirida ao longo da vida

23 (40,4%)

Autodefinição

 

Surdo

37 (64,9%)

Pessoa com deficiência auditiva

15 (31,6%)

Outros

5 (15,8%)

Outro: "Híbrido / ambos”

3

Outro: Pessoa Ouvinte

2

* Se vive com o parceiro (32,7%) ou não (10,9%).

Para caracterizar os entrevistados, além da abordagem baseada no contexto em que a surdez ocorreu e na audição remanescente, conforme pesquisas nacionais, consideramos relevante contar com uma dimensão subjetiva e identitária. Essa dimensão está ligada à autodefinição dos indivíduos, independentemente de suas características físicas ou funcionais. Para o item: "Eu me defino como...", as opções de resposta eram: "Surdo", "deficiente auditivo", "nenhum dos dois", "outro" ("especifique", incluindo um espaço para livre expressão). Dos 57 participantes que responderam à pergunta, 37 se definiram como surdos, 15 como deficientes auditivos e 5 como "outro" dos quais 3 se definiram como "híbridos" ou "ambos" (surdos e deficientes auditivos) e 2 (jovens com implantes) se definiram como "ouvintes" e se recusaram a ser categorizados como deficientes auditivos ou surdos.

A análise dos meios de comunicação escolhidos também é relevante para caracterizar os entrevistados: a Língua de Sinais Francesa é predominante. Mais de 77,2% (n = 44) dos participantes utilizam-na com frequência, sendo que apenas 3 indivíduos (5,3%) o fazem raramente, seguida pela escrita, que é usada com frequência (52,6%, n = 20) e raramente (29,8%, n = 17), e pela leitura labial, que é usada com frequência por mais da metade dos entrevistados (54,4%, n = 31, em comparação com 33,3%, n = 19, que a usam raramente). A oralização é usada com frequência por 36,8% (n = 14). A língua falada completa (Langage Parlé Complété) é usada com frequência por apenas dois entrevistados; 63,6% (n = 35) não são capazes de usá-la.

Uma abordagem quantitativa da participação social de pessoas surdas e com deficiência auditiva

Avaliar a percepção de limitação nas atividades

O Global Activity Limitation Indicator (GALI), ou indicador global de restrição de atividade, foi usado para captar a percepção geral das limitações dos participantes. Esse indicador permite a formulação de uma única pergunta que inclui quatro elementos da deficiência (Dauphin e Eideliman, 2021): sua dimensão crônica ("por mais de 6 meses"), suas causas ("problemas de saúde"), a tentativa de medir as consequências nas atividades ("limitado nas atividades") em um determinado contexto social ("o que as pessoas costumam fazer"). As pessoas são consideradas “com deficiência” no sentido de terem restrições severas em suas atividades, ao responderem "sim, muito" à seguinte pergunta: "O(a) Sr.(a) ficou limitado(a), por pelo menos seis meses, nas atividades que as pessoas costumam fazer, devido a um problema de saúde? Sim, muito limitado(a) / Sim, limitado(a), mas não muito / Não, nem um pouco limitado(a).

Em nosso questionário, o enunciado foi modificado: na verdade, durante a fase de co-construção da ferramenta, o feedback dos membros da associação parceira nos disse que, como a surdez não era considerada um problema de saúde, nem uma patologia, o entrevistado não atribuía as dificuldades encontradas na vida cotidiana ao fato de ser surdo ou de ter deficiência auditiva, dessa forma, com essa formulação, o resultado subestimaria as limitações percebidas. O termo "deficiência" também tinha uma conotação excessivamente negativa e estigmatizante para as pessoas. Consequentemente, o termo "problemas de saúde" não é usado, mas a causa é especificada ao se referir à surdez ou às dificuldades auditivas.

Mais de 40% dos participantes (40,4%, n = 23) disseram que se sentiam muito limitados em atividades que as pessoas geralmente realizam. Outros 31,6% (n = 18) sentiam-se limitados, mas não muito e 28,1% (n = 16) não se sentiam limitados de forma alguma. Apesar de os subgrupos serem pequenos, uma análise comparativa para identificar quaisquer diferenças entre os que se identificaram como surdos (n = 37) e os que se identificaram de outra forma, considerando todas as categorias elencadas (n = 20) foi realizada. Do ponto de vista estatístico, as diferenças observadas não foram significativas (teste Chi2 não significativo, p = 0,1).

Estilos de vida de pessoas surdas e com deficiência auditiva

Para avaliar a participação social (ou o grau de realização dos hábitos de vida), 27 atividades cotidianas foram propostas no questionário. Para cada item, foi solicitado ao entrevistado que indicasse o grau de facilidade para realização de cada uma delas (ou sua não realização). Para fins de processamento quantitativo, as respostas foram codificadas da seguinte forma: 0 para "impossível de fazer, mas eu gostaria", 1 para "muito difícil", 2 para " difícil", 3 para " fácil" e 4 para "muito fácil". Se o hábito não é relevante, o entrevistado pode indicar "não me afeta" e, nesse caso, não é levado em consideração.

As atividades (consulte a tabela 2) mais difíceis de realizar (< ou = 2) são o exercício da cidadania ("participar da vida cívica, por exemplo, votar"), assistir ao noticiário na televisão e cumprir tarefas administrativas pessoalmente (por exemplo: junto a órgãos administrativos como a Caisse d'Allocations Familiales [CAF17] ou a prefeitura).

As atividades realizadas com alguma dificuldade (pontuação entre 2 e 3) são: consultas médicas ("ir a uma consulta médica"), realizar atividades culturais de lazer (como ir a um museu), realizar procedimentos administrativos18 à distância, comunicar-se com pessoas ouvintes, ler (um jornal, um livro), tirar a carteira de motorista, comunicar-se com colegas de trabalho, comunicar-se com a família e, por fim, acompanhar as notícias na Internet. As outras atividades (viajar, cuidar do corpo, tarefas e lazer doméstico, alimentação e refeições, atividades esportivas e artísticas, comunicar-se com pessoas surdas, assistir a filmes, séries e documentários na televisão) têm uma pontuação de alto desempenho (facilmente realizadas, pontuação > 3).

As análises comparativas entre os grupos foram realizadas usando o teste U de Mann-Whitney, pois a distribuição dos dados não seguiu uma distribuição normal (teste de Shapiro-Wilk significativo). Os resultados são mostrados na tabela abaixo. Por se tratar de uma amostra pequena, análises de subgrupos com base em categorias construídas e cruzadas com um conjunto de variáveis relevantes (por exemplo, tempo de início da surdez, grau declarado de limitação, ajuda técnica usada, método preferido de comunicação, autodefinição) não foram possíveis. Na literatura, estudos destacam a heterogeneidade das abordagens e as dificuldades em definir categorias relevantes para análises relacionadas à surdez. Em nosso estudo, os dados quantitativos referem-se a todos os surdos e deficientes auditivos, mas comparações entre grupos foram propostas quando consideradas relevantes em relação à variável analisada (participação social, estigma percebido, limitação global nas atividades). Considerou-se a diferença entre os entrevistados que se identificaram como surdos e aqueles que adotaram outra identidade. Esse agrupamento sob a designação comum de "outro" não se refere necessariamente a um grupo homogêneo e coerente, mas pareceu-nos que as pessoas que se autodefinem como surdas enfrentam dificuldades diárias e têm mais necessidades de compensação e de adaptação do ambiente. O material qualitativo nos permitirá refinar e fortalecer essas hipóteses.

Tabela 2: Pontuações médias (e desvio padrão) para o desempenho de atividades da vida diária para todas as pessoas surdas e com deficiência auditiva e por grupo, com valor de p do teste Mann-Whitney.

Estilo de vida

População total
(média ± desvio padrão)

Surdos
(média ± desvio padrão)

Outros
(média ± desvio padrão)

Valor de p
valor (Teste U de Mann-Whitney)

Cuidado com o corpo

3.94 ± 0.23

3.94 ± 0.23

3.95 ± 0.22

0.96

Preparo de refeições

3.77 ± 0.54

3.77 ± 0.54

3.78 ± 0.54

0.97

Alimentação

3.91 ± 0.44

3.94 ± 0.23

3.85 ± 0.67

0.96

Viagem (int)

3.96 ± 0.18

3.94 ± 0.23

4.00 ± 0.00

0.29

Transporte público

3.07 ± 0.99

3.13 ± 1.05

2.94 ± 0.89

0.35

Mobilidade (ext)

3.40 ± 0.87

3.45 ± 0.95

3.30 ± 0.73

0.13

Exame de direção

2.60 ± 1.23

2.64 ± 1.32

1.20 ± 0.97

0.51

Notícias da Internet

2.77 ± 1.13

2.64 ± 1.20

3.00 ± 0.97

0.32

Notícias da TV

1.91 ± 1.30

1.40 ± 1.11

2.85 ± 1.08

< .001

Leitura

2.54 ± 1.09

2.22 ± 1.09

3.10 ± 0.85

< .05

Compras

3.67 ± 0.61

3.69 ± 0.62

3.61 ± 0.60

0.46

Tarefas domésticas

3.89 ± 0.46

3.97 ± 0.16

3.70 ± 0.16

0.05

Procedimentos administrativos (prés.)

2.02 ± 0.98

1.83 ± 1.02

2.38 ± 0.77

< .05

Procedimentos administrativos (à distância)

2.31 ± 1.03

2.21 ± 1.13

2.50 ± 0.78

0.39

Vida cívica

1.61 ± 1.37

1.23 ± 1.32

2.35 ± 1.16

< .01

Comunicação com ouvintes

2.39 ± 0.86

2.16 ± 0.83

2.80 ± 0.76

< .01

Comunicação com os surdos

3.41 ± 1.02

3.70 ± 0.81

2.84 ± 1.16

< .001

Comunicação familiar

2.74 ± 0.87

2.64 ± 0.91

2.90 ± 0.78

0.33

Comunicação com colegas

2.63 ± 0.92

2.48 ± 0.94

3.00 ± 0.77

0.13

Consultas médicas

2.18 ± 1.06

1.91 ± 1.01

2.68 ± 1.00

< .01

Serviços digitais

3.35 ± 0.85

3.37 ± 0.86

3.30 ± 0.86

0.71

Lazer doméstico

3.57 ± 0.74

3.50 ± 0.84

3.72 ± 0.46

0.45

Lazer cultural

2.28 ± 1.19

1.97 ± 1.19

2.80 ± 1.00

< .01

Atividades físicas e esportivas

3.25 ± 0.98

3.22 ± 1.09

3.31 ± 0.74

0.86

Passeios

3.40 ± 0.92

3.40 ± 1.01

3.40 ± 0.87

0.56

Conteúdo audiovisual

3.09 ± 0.95

2.94 ± 0.98

3.35 ± 0.87

0.12

Atividades artísticas

3.22 ± 1.03

3.31 ± 1.14

3.05 ± 0.74

0.08

Foram observadas diferenças significativas nos seguintes hábitos de vida: acompanhar as notícias na Internet, ler, participar da vida cívica, comunicar-se com pessoas ouvintes, comunicar-se com pessoas surdas, comparecer a consultas médicas e realizar atividades culturais e de lazer. Em todas essas atividades, com exceção da comunicação com pessoas surdas (em que os surdos têm mais facilidade), a pontuação média dos entrevistados do grupo “Outros” é mais alta; em outras palavras, as pessoas que se identificam como surdas têm mais limitações e mais dificuldades.

Falta de acessibilidade na vida cotidiana: "Sentimos que não somos totalmente parte da sociedade"

As produções discursivas trazem um esclarecimento adicional sobre esses dados quantitativos. Dentre os temas abordados, um dos mais importantes e recorrentes é a acessibilidade. Acesso aos espaços e processos da vida cotidiana: administrações públicas e privadas, lojas, instituições, mas também acesso aos serviços de saúde, às informações locais e nacionais, à vida cultural, cívica e política.

Por exemplo, quando se trata de notícias e informações transmitidas pela televisão ou pela imprensa, as pessoas surdas dizem que, muitas vezes, são excluídas por não terem acesso à língua de sinais ou às transcrições e também por não dominarem a língua escrita. É assim que Yanis, Surdo e instrutor da Língua de Sinais Francesa explica:

Para fazer compras, é mais fácil, mas para se comunicar, é um pouco complicado. (...) As maiores dificuldades, eu diria, estão no local de trabalho, depois, no que diz respeito às normas de trânsito (...) e também no setor de saúde, onde a comunicação é muito complexa. No que diz respeito à imprensa também, não tem nada pensado pra gente!

Sua companheira, que também é Surda e usuária da LSF, acrescenta:

Se não entendemos, não podemos seguir em frente, não podemos viver (...) Por exemplo, um alerta ou um aviso de tempestade, você precisa ser avisado se algo grave acontece.

É importante lembrar que os resultados da pesquisa quantitativa mostraram que, embora as pessoas surdas e com deficiência auditiva geralmente usem a escrita para se comunicar, a leitura não é uma tarefa fácil, é ainda mais difícil para as pessoas que se identificam como surdas. Os avisos de saúde pública ou de riscos climáticos e meteorológicos estão no cerne da questão de como tornar as informações acessíveis, conforme apontado por vários entrevistados, e por associações locais que divulgam essas informações à comunidade surda:

Ressaltamos que, quando se tratava de furacões e de outras questões importantes, tínhamos que divulgá-las através da mídia e torná-las acessíveis (...); foi isso que fizemos, do nosso jeito, quando tínhamos dinheiro do departamento para isso, organizamos conferências informativas. Sobre procedimentos administrativos, saúde, questões atuais, coisas assim. Mas (...) esse não é o nosso papel. (Pessoa ouvinte membro de uma associação)

A desinformação está em todo lugar, então elas [pessoas surdas] foram fortemente impactadas, por isso, se ninguém as informar de verdade, elas aceitarão a primeira informação que aparecer (...) As primeiras representações de logotipos da AIDS parecem símbolos nucleares, então, por um tempo, as pessoas surdas pensaram que havia uma ligação entre a AIDS e a energia nuclear (...) É por isso que a informação é tão importante. (Fonoaudiólogo em um centro de acolhimento de jovens surdos e com deficiência auditiva)

Nesse sentido, o acolhimento de pessoas surdas e com dificuldades auditivas e sua assistência em procedimentos administrativos são objetivos prioritários das políticas públicas, conforme indicado pelo agente responsável pela política de inclusão do Departamento de Economia, Emprego, Trabalho e Solidariedade (DEETS), que também aponta que um processo de "aculturação" dos agentes foi iniciado, nesse sentido, para "finalmente propor, aperfeiçoar e adaptar um serviço público para pessoas com essa deficiência sensorial". Com um atraso "no que diz respeito ao tratamento igualitário dos usuários". Com relação mais especificamente aos estabelecimentos de saúde pública, Jean-Louis, surdo oralizado e diretor de uma plataforma de acessibilidade, explica em uma entrevista:

O senhor mencionou a prefeitura, a Caisse d'Allocations Familiales, o serviço de emergência.... Normalmente, esses são os tipos de estabelecimentos abertos ao público que têm a obrigação fundamental de serem acessíveis (...). O setor de saúde é, de longe, o que tem o pior desempenho (...). Quando você olha para o custo de tornar um hospital acessível a pessoas surdas e com deficiência auditiva, ele fica entre 10.000 e 12.000 euros por ano (...). Portanto, é uma questão de vontade, de mentalidade. E isso é ainda mais grave nos territórios ultramarinos, que são os mais carentes.

A acessibilidade ao atendimento durante todo o processo, desde a marcação de uma consulta com um profissional de saúde até o recebimento e o acompanhamento do atendimento, é um grande problema na região. Análises de subgrupos anteriores mostraram que a população surda tem muito mais dificuldade em comparecer a consultas médicas. Quando perguntados sobre como marcam uma consulta com um médico, mais da metade (51,9%, n= 28) das pessoas surdas e com deficiência auditiva diz ser auxiliada por uma terceira pessoa (por exemplo, um membro da família, um amigo). 37% dos entrevistados afirmam ser independentes (com, versus sem dificuldade, 14,8%, n= 8, e 22,2%, n= 12, respectivamente). Mais da metade (54,4%, n=31) afirmou nunca ter usado serviços adaptados para surdos. 36,8% (n=21) afirmaram já terem utilizados, mas na França continental; para quase 90% da amostra (87,7%, n=35), não há serviços adaptados para pessoas surdas e com deficiência auditiva em Guadalupe.

Várias pessoas surdas e com deficiência auditiva e suas famílias relatam experiências de falta de acessibilidade e grandes dificuldades de comunicação ao marcar consultas, comparecer a serviços de emergência ou interagir com profissionais da saúde:

Seria realmente uma vantagem ter a língua de sinais no hospital. Criar um polo especializado para pessoas surdas. (...) O auxílio recebido por invalidez19 é usado para pagar o intérprete, mas gostaria que fôssemos mais modernos, que tivéssemos coisas adaptadas à nossa situação e aos dias de hoje, e que não fôssemos o filho pobre da França. (Raphaël, Surdo)

Por exemplo, para ir ao ginecologista, para fazer uma ressonância magnética, para ir ao dentista, você sempre precisa de um intérprete. (...) Porque é a minha vida e eu quero continuar independente, me virar sozinha (...). No hospital é muito complicado, não há intérpretes e toda vez que há um acidente temos que chamar o intérprete para vir (...). O mesmo acontece quando eles explicam como tomar um remédio, se você não entender, pode ter consequências graves. (Sandra, Surda)

A acessibilidade à língua de sinais é muito importante, especialmente na área médica. Isso também vale para o Código de Trânsito, e até mesmo no Pôle Emploi20 deve haver pessoas que saibam fazer os sinais, e também na área judicial, na polícia civil e militar, é importante ter a língua de sinais. Mas eu diria que a prioridade é a área médica. (Julie, Surda, usuária da LSF)

O desafio da inclusão de pessoas consideradas com deficiência na sociedade consiste em tornar acessíveis todos os aspectos da vida social. Entretanto, quando se trata da vida cultural, mais uma vez, os locais abertos ao público, como museus, não permitem que as pessoas surdas e com deficiência auditiva participem da programação cultural plenamente. De fato, o termo "acessibilidade" é frequentemente reduzido à mobilidade, ao movimento e ao ambiente construído. Marc, que é Surdo, descreve sua experiência quando ele e seu filho ouvinte visitam o Memorial ACTe em Pointe-à-Pitre, um espaço cultural e simbólico dedicado à memória coletiva da escravidão e dotado de um olhar para o mundo contemporâneo:

É importante ter informações, por exemplo, no museu sobre a história, nossas origens são guadalupenses, mas não temos informações, não tem historiadores. Tem pessoas que vêm da França continental, mas não conhecem a cultura de Guadalupe. Portanto, realmente precisamos ter acesso à história de nossos ancestrais, de Guadalupe. (...) É importante, é vital! Mesmo que você seja surdo.

A participação social no campo da cidadania é seriamente prejudicada para as pessoas surdas e com deficiência auditiva: anteriormente, os resultados indicaram que, de todos os itens ligados aos hábitos de vida, o exercício da cidadania é a atividade mais difícil de ser realizada. A acessibilidade, nesse contexto, é, portanto, fundamental para garantir às pessoas surdas e com deficiência auditiva o pleno exercício de direitos e a igualdade de tratamento:

Mesmo na prefeitura é preciso um intérprete para que pessoas surdas possam entender, para que haja acessibilidade e para que eles possam se expressar também, porque se não houver avisos, não sabemos de nada, ou há avisos que não conseguimos ler. É preciso que as pessoas surdas possam participar da vida cívica, portanto, precisamos de acessibilidade, nem que seja mínima, no aspecto cívico. (Sylvie, Surda, usuária da LSF)

Acho que a palavra cidadania é apropriada para pessoas ouvintes, mas é muito complicado para os surdos se tornarem cidadãos. (...) Temos a impressão de que não fazemos parte da sociedade. Para as pessoas ouvintes, existe a possibilidade de subir na vida, especialmente para se tornar presidente, mas nós, as pessoas Surdas, estamos sempre na base da escala social (...). (Rafael)

Compensação: assistência humana insuficiente

Quando perguntados sobre a ajuda geral de que precisam para realizar a maioria de suas atividades diárias, mais de dois terços dos entrevistados (71,9%, n=42) disseram que frequentemente (n=20) ou às vezes (n=21) precisavam de ajuda no cotidiano. Quase um terço (28,1%, n=16) disse que nunca ou quase nunca precisava de ajuda para realizar suas atividades.

No geral, 66,7% dos entrevistados disseram que precisavam de ajuda humana para realizar suas tarefas diárias (n = 38, em comparação com 33,3%, n = 19). Mais especificamente, quase metade das pessoas surdas e com deficiência auditiva (45,9%, n = 17) recebeu essa ajuda de familiares ou de amigos, de profissionais (como um intérprete; 18,9%, n = 7) ou ambos (da família e de profissionais, 35,1% n = 13). Vários entrevistados relataram:

Sim, é muito complicado para mim, por exemplo, para ir ao médico, preciso ligar para minha irmã, mas se ela estiver trabalhando, fico sem poder fazer nada, e, se o intérprete estiver ocupado, também não posso ligar para ela, então vou sozinha e me viro (...). (Sylvie)

(...) Muitas vezes me dizem que tenho que marcar uma consulta por telefone e não pessoalmente. (...) Eu já disse que não posso ligar porque sou surda, e é por isso que preciso ir à clínica, será que preciso pedir ajuda para os meus pais.... Como é que eu faço então? (Julie)

O envolvimento de um amigo próximo ou de um membro da família também pode criar obstáculos em consultas que envolvam confidencialidade médica ou criar situações desconfortáveis para o acompanhante, que assume muitas funções, inclusive a de intérprete;

Meu papel é o de uma mãe, não o de uma tradutora, e muitas vezes me encontro nessa situação (...) O hospital, todas essas coisas, a prefeitura, a administração. Meu companheiro... sou eu quem cuida de três quartos de tudo. (Sophie, pessoa ouvinte, companheira de uma pessoa surda)

Diante da falta de acessibilidade nos espaços públicos e nas administrações, muitas vezes é a pessoa surda que inicia o uso de um intérprete e arca com esse custo; o intérprete também sai, às vezes, de seu "papel" inicial:

Quando você vê as pessoas na MDPH [Maison Départementale pour les Personnes Handicapées]21, não consigo acreditar. Quando eles dizem: "Você não pode preencher os papeis deles?" Sou intérprete, não sou assistente social! "Sim, mas vocês nem imaginam, e fulano, é preciso ajudá-lo." Não, não posso, esse não é o meu papel, é o seu. E contínuo: "Por que vocês não criam um serviço com um intérprete da língua de sinais?" (Intérprete em LSF)

A esse respeito, os entrevistados relataram inúmeras disfunções e irregularidades nos procedimentos administrativos da MDPH, bem como nos auxílios e nas indenizações recebidos22. Um exame das práticas da MDPH revela uma avaliação diferenciada e fragmentada das necessidades de indenização das pessoas com deficiência23. Além dos prazos de processamento que levam a inúmeras violações de direitos, o Défenseur des droits en France destaca as desigualdades territoriais. Um exemplo é a inadequação dos benefícios por invalidez (Prestation de Compensation du Handicap, PCH) para cobrir as necessidades reais das pessoas com deficiência e as consequentes despesas dos beneficiários. Um profissional especializado na área da surdez, um fonoaudiólogo particular, declarou em uma entrevista:

O pior de tudo é a MDPH. Ou seja, eles [pessoas surdas e com deficiência auditiva] enviam solicitações de reconhecimento de sua deficiência e nem mesmo são chamadas. Alguns processos são arquivados, outros não dão em nada. Portanto, é realmente lamentável. (...) Tem até mesmo alguns que não recebem mais o subsídio, a PCH. Eles não sabem por que, buscam se informar, reabrir o processo, mas não conseguem falar com ninguém.

Para entrar em contato com os serviços públicos, as pessoas surdas ou com deficiência auditiva devem poder contar com a "tradução simultânea escrita e visual de qualquer informação oral ou auditiva que lhes diga respeito" (artigo 78 da lei nº 2005-10224). Desde 2018, na França continental, as operadoras de rede de telefonia móvel são obrigadas a oferecer um serviço gratuito de retransmissão telefônica a todos os seus clientes acometidos de perda auditiva. Para os departamentos e as regiões ultramarinas, agora é possível fazer chamadas telefônicas, mas no mesmo fuso horário da França continental; não há um centro de retransmissão específico em Guadalupe:

É verdade que já existem centros de retransmissão telefônica, mas não há absolutamente nenhum aqui e, além disso, com a diferença de fuso horário, é complicado telefonar, então realmente precisamos criar um centro de retransmissão telefônica em Guadalupe. (...) Tanto na esfera privada como na pública, gostaríamos de ter igualdade total com as pessoas ouvintes. (Léa, Surda e instrutora de LSF)

O problema para as pessoas surdas é realmente fazer ligações. Roger Voice é complicado, precisamos criar um serviço ou centro de intérpretes aqui em Guadalupe (...) e também dispor da possibilidade de ligar livremente sem passar pela França. (...) Aqui, estamos muito atrasados. (Raphaël, Surdo)

Reivindicações identitárias: "Se todos usassem a língua de sinais, não haveria mais deficiências!

Contornos da surdez e da(s) identidade(s) surda(s)

A população de surdos e de deficientes auditivos abrange uma ampla variedade de perfis e de origens, o que torna impossível estabelecer uma "tipologia das pessoas surdas" precisa. A distinção entre pessoas surdas de nascença e aquelas que "se tornaram" surdas é importante, pois são essas últimas que realmente experimentam uma ruptura biográfica e uma transformação significativa em sua vida cotidiana. Para as primeiras, a surdez faz parte de sua identidade. Lydie, uma mulher ouvinte e mãe de um adolescente surdo, explicou isso em uma entrevista:

Porque alguém que se torna surdo, que se torna deficiente auditivo aos 50 ou 60 anos de idade, ou por acidente, é diferente de alguém que nasce surdo, que se desenvolve de forma diferente, e eu apoio totalmente o conceito de cultura e identidade. Acho que deveríamos dizer que uma pessoa com deficiência auditiva é, na verdade, um ouvinte que perdeu a audição. (...) Imagine uma pessoa que já experimentou a audição: ela não pode vivenciar a surdez da mesma forma que alguém que nunca ouviu. (...) Você não sofre por algo que não conhece.

Em nossa pesquisa, queremos distinguir as pessoas surdas das pessoas com deficiência auditiva. Mas a diferença está ligada apenas à precocidade da perda? Seria o grau, a intensidade da perda que as diferencia? Seria o momento ou a situação evocada (por exemplo, uma pessoa surda que tira o aparelho auditivo ao voltar do trabalho para casa)? Seria o risco de uma definição médica ou funcional aqui apontado, que também oculta as dimensões subjetivas, identitárias e o aspecto cultural do mundo surdo. Questionando a artificialidade dessas distinções, Éloise, Surda e usuária da LSF, explicou em uma entrevista:

O que significa para você o fato de ser deficiente auditivo? O que isso significa exatamente? Por que, para os surdos, às vezes parece uma palavra inventada? Por que uma pessoa com deficiência auditiva é um surdo ruim ou um ouvinte ruim? (...) Há pessoas surdas que ainda têm audição. Há pessoas que perderam a audição e não sabem fazer sinais, e acho que elas são excluídas porque não têm nenhuma linguagem (...). Mas, hoje, tem pessoas surdas, deficientes auditivos, pessoas com implantes, pessoas com audição e todas essas palavras que quero deixar de lado, não quero estigmatizar as pessoas; nós sofremos com isso. Por exemplo, eu consigo falar, mas as pessoas me dizem "você é um falso surdo porque consegue ouvir um pouco". E isso me faz questionar minha identidade e me incomoda.

O meio de comunicação preferido também é uma dimensão importante da identidade surda, que muda o critério sensorial da "audição" para o de uma cultura comum, lembrando que a deficiência é relativa:

Se todos usassem a língua de sinais, não haveria mais deficiências. (Intérprete da LSF)

Durante uma entrevista, uma audiologista especialista em aparelhos auditivos falou sobre a diversidade dos perfis que ela recebe e alerta para os riscos de viés ligados ao nosso método de amostragem, já que é favorecido pelo revezamento associativo: trata-se também de abordar pessoas surdas que optaram por retornar ao mundo auditivo para se tornarem oralizadas. De fato, nossa amostra inclui pouquíssimos surdos oralizados e que não usam a língua de sinais. A esse respeito, o testemunho de Jean-Louis, um surdo oralizado e que não usa a língua de sinais, é edificante: ele valoriza a multiplicidade dos meios de comunicação:

Eu também não uso a língua de sinais. (...) Sou uma pessoa surda oralizada que cresceu no sistema educacional comum com pessoas ouvintes. (...) Acho que há um fenômeno que vai se espalhar, que é o bilinguismo (...); [porque] quando se trata de educação superior e vida profissional, dominar o francês falado ou pelo menos escrito é uma chave essencial para o progresso e para uma carreira. (...). Depois, há pessoas, pais, por exemplo, que dizem "Espero que meu filho seja surdo": para eles, a surdez é mais do que uma cultura, é um país! Com seu idioma, sua bandeira, etc. .... OK, também espero que você dê a ele as chaves, porque ser surdo também não é divertido todos os dias. Especialmente se você não fala o idioma principal do país em que vive.

Raphaël, em consonância com a abordagem social da deficiência, desloca a perspectiva para o âmbito da organização ambiental e social. Ele explica que é a maneira como as pessoas sem deficiência o enxergam que faz com que ele se sinta inferior ou limitado, reduz sua surdez a um limite, a uma falta. Ele rejeita as categorias predefinidas pelas pessoas ouvintes:

Eu me considero Surdo ou deficiente auditivo, na verdade eu uso os dois chapéus, as duas identidades (...) Eu me sinto no meio. Eu me sinto como um híbrido. (...) Eu não me defino como limitado, são as outras pessoas que me limitam. É quando elas olham para mim, como uma pessoa surda. (...) Pessoas ouvintes, quando olham para mim.

Os dados do questionário sobre discriminação percebida (o sentimento de ser excluído da vida social por causa da deficiência auditiva) completam esse quadro: quase 70% dos entrevistados afirmaram que percebiam a discriminação como significativa (22,8% achavam que ela existia, mas apenas em um grau leve, e 8,8% disseram que não a sentiam). Do ponto de vista estatístico, as diferenças observadas entre os grupos (surdos autodeclarados versus outros) não são significativas (teste Chi2, p = 0,1), indicando que as pessoas com perda auditiva parcial também enfrentam barreiras significativas no ambiente social.

E os "que se tornaram surdos"? Entre dois mundos

Alexa ficou surda em uma fase avançada da vida, pouco antes de se aposentar. Ela foi submetida a um implante bilateral, na sua opinião, forçado, mas cuja urgência foi explicada pela rápida ossificação coclear. Ela passou a aceitar seus implantes e não consegue mais ficar sem eles, embora sua identidade tenha se tornado "compósita" e plural:

Eu me tornei [surda], e isso faz uma grande diferença. (...) Eu disse: "Não sou surda e eu não sou ouvinte. Estou em algum lugar no meio". E eu consigo me sentir muito confortável, seja eu surda, deficiente auditiva ou que tenha me tornado surda. Essas são as três identidades com as quais eu faço malabarismos. Por exemplo, quando acordo de manhã, sou completamente surda. Depois...

E a surdez adquirida? E a pessoa com deficiência auditiva ou que se tornou surda, ou seja, a pessoa ouvinte que perde a audição de forma repentina ou gradual e descobre ou se familiariza com essa nova relação com o mundo? O conceito de liminaridade, ou a situação-limite (ponto de transição) imposta à pessoa rotulada como "pessoa com deficiência" (Murphy, 1993; Quentin, 2019), é esclarecedor nesse caso: uma pessoa com "audição ruim" e "surdez ruim", muitas vezes não usuário da língua de sinais e não integrada à comunidade surda ou ao setor associativo, fica à margem, entre os dois mundos:

Para uma pessoa que se torna deficiente auditiva, é preciso passar por um período de luto. Essas pessoas não fazem parte de nenhum coletivo ou associação, não há uma comunidade de pessoas com deficiência auditiva, os surdos têm uma identidade e uma cultura, mas as pessoas com deficiência auditiva estão em situação pior. Seu grupo de trabalho as isola, e elas se isolam, então, na verdade, é uma exclusão absoluta. A deficiência auditiva faz com que, pouco a pouco, elas parem de participar das conversas, sejam mais discretas, não respondam... e os colegas as censuram ou dizem "bem, depois eu explico para você". (Pessoa de referência do PRITH, Plano Regional para a Integração de Trabalhadores com Deficiência).

A pessoa com deficiência auditiva é a mais infeliz de todas! (...) Enquanto ela não tiver criado sua própria identidade, será infeliz. Estarão entre dois mundos. (...) Especialmente porque enganam a si mesmas. (Diretor, centro de acolhimento de jovens surdos)

Quando você falar sobre surdez, não exclua os deficientes auditivos. (...) Você ou eu amanhã, qualquer um de nós pode perder a audição (...). As pessoas com deficiência auditiva são os "rejeitados" da surdez, é inacreditável. Os surdos têm uma comunidade surda, uma cultura surda, uma identidade surda, uma língua de sinais (...). Os deficientes auditivos, de fato, ouvem mal, mas ouvem mesmo assim, fazem parte do mundo auditivo. (Diretor de uma associação)

Recusar o "conserto": "Sou surdo, ponto final!"

A sistematização da triagem auditiva neonatal mostra a evolução das práticas relativas à surdez infantil, levando em conta o importante papel do diagnóstico e do tratamento precoces. De acordo com as recomendações da Haute Autorité de Santé (Alta Autoridade Francesa para a Saúde) (HAS)25, o discurso médico enfatiza o uso de ajudas técnicas em resposta a um diagnóstico de surdez: a surdez neurossensorial é tratada com aparelhos auditivos e os casos mais graves com implantes cocleares.

Alguns profissionais da área da saúde adotam uma postura mais sutil, valorizando a neutralidade e o dever de dar informações claras e de forma respeitosa no acompanhamento e no aconselhamento das famílias. No entanto, os dados coletados sugerem que a maioria dos profissionais envolvidos na área surdez que atuam no campo médico adota uma posição favorável aos aparelhos auditivos. Do ponto de vista médico, o ideal é que essa resposta corretiva, que visa à oralização e à recuperação total ou parcial da audição, seja oferecida em um estágio inicial. Os argumentos apresentados dizem respeito à garantia da aquisição de habilidades e à minimização das dificuldades de aprendizado. Além disso, as ajudas técnicas podem ser descontinuadas mais tarde, na idade adulta – enquanto o processo inverso é mais difícil:

É normal que os surdos transmitam sua cultura, é a cultura deles. Mas você ouve, você transmite sua cultura e seus valores para seu filho, e então será mais fácil fazer o caminho inverso, se um dia ele quiser, ele pode parar de usar os aparelhos; o contrário é impossível. A partir de uma certa idade, os implantes não trazem mais benefícios. (Carine, audiologista)

"Você tinha 16 meses quando eu quis que você pudesse ouvir e falar. Agora você pode, agora você está tirando os aparelhos, estamos aprendendo LSF juntos, é a sua comunidade, a sua identidade, eu respeito isso, mas eu lhe dei a oportunidade de ouvir e de escutar". (Clara, mãe de um jovem usuário de implante)

Quando perguntados sobre a ajuda de aparelhos auditivos, mais da metade dos entrevistados (58,9%, n = 33) indicou que não os usava ou que precisava deles muito pouco ou nada, e 50% (n = 28) não possuíam nenhum. A maioria dos participantes (80,7%, n = 46) não é usuária de implante e considera que não precisa de um implante coclear ou o rejeita. A pesquisa qualitativa revelou que muitas pessoas surdas sentem desconforto ou até mesmo dor (dores de cabeça, zumbido, hipersensibilidade a determinados sons) associada ao uso de aparelhos auditivos:

[Pessoas surdas] dizem que eles fazem muito mais barulho, que são incômodos, que são cansativos. Os implantes às vezes causam choques elétricos. Os surdos às vezes pulam, estão sempre no meio do barulho, mesmo à noite, portanto, se removerem o receptor, dizem que ouvem um barulho que não faz sentido, que os incomoda. Isso aumentaria o zumbido. (Lydie, pessoa ouvinte e mãe de uma pessoa surda)

Na escola, tive que usar um aparelho auditivo, mas ele não funcionava, o pouco som que eu recebia me dava dor de cabeça; quando eu era jovem, sempre tive dor de cabeça". (Jenny)

Aos três anos de idade, eu tinha dois aparelhos auditivos. (...) Eu os tirei e fiquei bem, queria ser natural, normal: sou surdo e ponto final! (Jean)

Do ponto de vista dos profissionais de saúde, as dificuldades encontradas não se devem à ajuda técnica em si, mas a ajustes ou configurações ruins, especialmente no caso dos implantes cocleares. Os pais de pessoas surdas e os membros da comunidade, por sua vez, denunciam a medicalização excessiva e a onipresença de uma abordagem médica da surdez que atua desde o momento do diagnóstico, como confidenciam Lydie e o diretor de uma associação e centro de formação, respectivamente:

Eu o chamo de poder médico porque, no início, senti que era um poder sendo exercido sobre mim. (...) Houve um erro no início. Você não começa com uma comunidade diferente, você começa com cuidados, então você reúne todas as pessoas que têm problemas auditivos quando, na verdade, elas não têm as mesmas necessidades. Começamos com a assistência e a vemos como uma doença. (...) Temos que abordar cada deficiência individualmente e como uma identidade diferente, não como uma forma de tratá-la.

A dificuldade que temos com a surdez é que há um conflito constante: de um lado, há a profissão médica, que quer corrigir a surdez, e, de outro, a comunidade surda, que quer reivindicar sua singularidade.

A consideração dos Surdos como uma entidade linguística e cultural poderia contar com o apoio do setor associativo, que não está muito presente nas primeiras fases do diagnóstico e acompanhamento da criança. Para a comunidade surda, o aumento do número de implantes reflete o desejo de normalizar e corrigir os chamados corpos deficientes, com receio de ver a língua de sinais desaparecer.

É por isso que estamos realmente falando de uma minoria cultural e linguística. Eles não tiveram nenhuma sensação de falta no início, eles nasceram assim. (...) Agora, com a triagem precoce, todas as crianças são examinadas imediatamente e precisam ser corrigidas imediatamente. E é só isso. Implante, correção, jaleco branco. (...) Os pais ouvintes com filhos surdos não são informados, e o jaleco branco chega imediatamente. Imediatamente o aspecto médico, a correção. O conceito de consertar. (...) É uma barreira linguística, é uma minoria cultural. Não é como qualquer outra deficiência e não deveria nem fazer parte do centro de saúde. (Intérprete de LFS)

Assim que fazem a triagem, informam os pais, mas não dizem a eles que existem associações de surdos, eles imediatamente optam pelo implante (...). A língua de sinais nos permite evoluir, enquanto um implante não. (...) As pessoas querem pagar imediatamente por um implante- porque dá dinheiro, é lucrativo. Mas a língua de sinais não é lucrativa. Portanto, a primeira solução é a estratégia médica". (Raphael, Surdo)

Identidade surda... e identidade guadalupense? A interseccionalidade nas entrelinhas

Nas décadas de 1990 e 2000, a análise transversal das características das pessoas com deficiência fazia parte de uma abordagem baseada nas desigualdades sociais (Winance, 2021). Os movimentos sociais de pessoas com deficiência, bem como os movimentos feministas, gays e étnicos, propuseram novas abordagens teóricas e políticas sobre deficiência, gênero e etnia em termos de construções e processos sociais (Idem). Uma perspectiva mais recente propõe capturar a complexidade da experiência da deficiência, ou seja, conjugá-la "no plural" (Mormiche, 2000), por meio da noção da interseccionalidade (Crenshaw, 2005). Essa abordagem leva em conta a natureza cumulativa dos registros de discriminação e a situação singular de desvantagem e discriminação que deles resulta. Esses emaranhados produzem diferentes experiências de dominação, que podem, portanto, ter várias origens, e seus respectivos efeitos se somam.

Em nossa pesquisa, a abordagem de gênero não foi favorecida, mas a questão foi levantada algumas vezes em relação à violência sexual que as mulheres surdas podem sofrer. Em termos de etnia, as experiências de opressão relatadas pelos entrevistados referem-se à dominação linguística (francês versus crioulo), que se soma à da cultura do oralismo e a auditiva (francês versus língua de sinais), embora em segundo plano se possa ler a opressão exercida pela França continental. Manon, ouvinte e membro de uma associação, originária da França continental, explica isso em uma entrevista:

Não faz nem 50 anos que a língua de sinais foi realmente reconhecida, o que significa que toda essa amargura e tudo isso, como você pode ver em Guadalupe, na questão da escravidão, ainda tem um impacto em todos os relacionamentos. Isso ainda está presente, então você nem imagina como é para os Surdos, para quem isso é ainda mais recente. (...) Então, eles têm o dobro, carregam uma dupla amargura no final das contas. No contexto guadalupense, acho que eles também devem ter tido esse sentimento de que foram subjugados, que algumas pessoas se aproveitaram deles. E aí entre a submissão aos ouvintes, que querem administrar tudo para nós. Portanto, há essa dupla relação: entre a Metrópole e as pessoas ouvintes

O professor-pesquisador Surdo, também da França continental, que fez um trabalho histórico sobre Guadalupe e, mais especificamente, sobre Auguste Bébian, também falou sobre o conceito de interseccionalidade. A interseccionalidade é um campo recente que ainda está em desenvolvimento e precisa ser alimentado pelo debate científico no estudo das experiências relacionadas à deficiência. Ele explicou [anteriormente, durante a conversa com o entrevistador, o intérprete não entendeu o termo interseccionalidade, soletrou-o usando tipografia e definiu-o referindo-se à noção de "raça", entendida como uma construção social]:

Pesquisador: Sim, a questão "racial", se é que podemos chamá-la assim.

Entrevistado: Acho que é muito mais forte em Guadalupe. Por exemplo, você conhece V.?

Pesquisador: Sim, sim. Bem, como mulher, negra e surda, sofreu discriminação dupla e até tripla. Fiquei muito surpreso ao descobrir isso porque, naquela época, foi a primeira vez que fui a Guadalupe, e me pareceu que havia mais pessoas negras, mas elas eram muito mais sensíveis à discriminação, tinham muito mais experiência com isso, muito mais discriminação como pessoas surdas (...). Na França, a noção de interseccionalidade está começando a surgir, mas há pouquíssimas pessoas surdas negras na França, mas é claro que há mais em Guadalupe, por isso é mais evidente. (...) São muito mais sensíveis à discriminação. (...) Quando penso nisso, em termos de identidade crioula, não penso necessariamente na comunidade surda. Para mim, ela está meio apagada, mas a identidade Surda está lá (...) e tenho a impressão de que ela ainda não terminou em termos de construção. (...) Nos últimos doze anos, eu diria que passei a entender melhor essa ideia de interseccionalidade.

Para outros informantes, essas questões de identidade e de dominação estão ligadas à língua e à impossibilidade de os Surdos guadalupenses desenvolverem plenamente sua identidade, cujo desafio reside na apropriação das especificidades locais. A língua crioula26 é pouco presente na LSF, mesmo que alguns sinais sejam adaptados ao contexto sociocultural:

Sim, os surdos têm sua própria identidade. Um surdo guadalupense não é um surdo francês. Para começar, eles fazem sinais diferentes. Páscoa, por exemplo, aqui é o caranguejo27, ou mamãe. Solteiro também. Aqui é o turbante. Portanto, são necessários elementos culturais e, como todos foram isolados, eles desenvolveram isso de uma forma um pouco endêmica. E, nesse caso, acho vemos coisas muito culturais. (...) Eu tinha sugerido a ideia de um livreto, um pequeno dicionário de LSF puramente antilhano. Porque quando você diz "Vejo você na Páscoa", o povo da Martinica [ilha vizinha de Guadalupe] entende. Mas o Creusot [do departamento francês de Creuse], o que eles vão fazer com o caranguejo? (Fonoaudiólogo)

É a Língua de Sinais Francesa, da França metropolitana. Então, fruit à pain28, costumávamos dizer fruit - à - pain (risos). Setembro, são uvas29. Mas aqui é completamente... Tem que ser local. Em termos de mentalidade, de idioma e de cultura. Está desconectado. É sempre a metrópole que influencia. E aqui foi sempre depois. Lá, eles estão pensando há alguns anos em criar um laboratório de idiomas (Intérprete de LSF).

Acho que há uma certa opressão por parte da França metropolitana, ou pelo menos dos surdos metropolitanos, em relação aos surdos de Guadalupe. (...) Estruturas fora de Guadalupe que não conhecem a cultura e querem impor a cultura metropolitana em Guadalupe. Isso não é possível, é um verdadeiro obstáculo para os Surdos, que não conseguem mais encontrar seu caminho e não sabem como seguir em frente, e que estão perdendo a cultura do seu dia a dia. (Éloïse)

Discussão e conclusão

A situação social e de saúde não é homogênea em toda a França, mas as disparidades territoriais não se devem apenas às características geográficas (insularidade, afastamento) dos Territórios Ultramarinos. As desigualdades sociais e territoriais são maiores do que no resto da França, persistem e estão se acentuando. As dificuldades econômicas e sociais, o acesso desigual aos serviços públicos, a distribuição desigual das instalações de saúde, a deterioração das infraestruturas são questões mencionadas pela população que questionam os objetivos de igualdade real consagrados na lei. Em termos de saúde pública, a estrutura legislativa agora prevê objetivos diferenciados para os territórios ultramarinos franceses: os objetivos da Stratégie nationale de santé (Estratégia Nacional de Saúde) (2018-2025) são complementados por objetivos de saúde específicos para esses territórios30.

A pesquisa DECIBEL-G (DEfiCience audItive: Besoins et Leviers en Guadeloupe) é o primeiro estudo, com base em uma metodologia mista, a analisar especificamente as trajetórias de vida, o itinerário de cuidados e as necessidades da população surda e com deficiência auditiva no arquipélago de Guadalupe. A maioria dos participantes nasceu surda; sem ajuda ou compensação, é impossível ou muito difícil ouvirem uma conversa, o que revela um grau significativo de surdez. A maioria dos entrevistados usa a Língua de Sinais Francesa e se identifica como surdos. No caso das pessoas com deficiência auditiva ou que "se tornaram" surdas, o objetivo é considerar as reconfigurações sociais e identitárias específicas geradas pela "ruptura biográfica" vivenciada (Bury, 1982).

Os dados sobre a participação social mostram que há grandes limitações e até mesmo situações incapacitantes na vida cotidiana. A maioria dos participantes afirmou que, devido à sua deficiência auditiva, eram limitados em atividades que as pessoas fazem normalmente, e que sua capacidade de realizar atividades corriqueiras era muitas vezes limitada pela necessidade de apoio humano, em particular de um membro da família. As atividades mais difíceis de realizar são: exercer a cidadania, manter-se atualizado com as notícias, cumprir tarefas administrativas e relacionadas à saúde e atividades culturais e de lazer.

De acordo com as pessoas entrevistadas, a falta de acessibilidade é o principal obstáculo para a participação de pessoas surdas e com deficiência auditiva, sejam elas mesmas, suas famílias e seus amigos, ou aqueles que trabalham no campo da surdez. Nesse sentido, as associações locais desempenham um papel essencial como vínculos e espaços de socialização. Em termos de saúde, o acesso à assistência médica é uma questão fundamental, mas também implica a possibilidade de se comunicar com os profissionais de saúde e compreendê-los. O acesso a serviços de interpretação é difícil e dispendioso, e exige previsão e organização.

Para a comunidade surda, as medidas compensatórias - aparelhos auditivos e implantes - refletem uma visão deficitária da surdez e uma "ideologia do conserto". Enquanto a busca de identidade na adolescência, impulsionada pela comparação social, é mais voltada para mascarar a deficiência e tornar-se uma pessoa com audição normal, o adulto surdo tende a afirmar sua identidade específica aproximando-se do grupo interno. A retirada dos aparelhos auditivos ou a rejeição de um implante coincide não apenas com a insatisfação com a ferramenta, mas também com as reivindicações identitárias e com o desenvolvimento de um sentimento de pertencimento à comunidade.

Por fim, a pesquisa buscou entender a complexidade das experiências relacionadas à deficiência, explorando o entrelaçamento de várias relações sociais e a natureza cumulativa dos registros de discriminação. Nesse sentido, o trabalho dos Black Disabilty Studies e dos Black Deaf Studies em particular, tem como objetivo tecer vínculos entre diferentes experiências identitárias e analisar a intersecção de diferentes pertencimentos comunitários. Apesar da referência a uma história internacional e nacional comum e da uniformidade de certas reivindicações, que permitem comparações entre as comunidades surdas (por exemplo, na França e no Quebec, Dalle-Nazébi e Lachance, 2005), os contextos regionais contribuem para configurações identitárias e mobilizações coletivas únicas, que exigem análises mais locais. Assim, as línguas de sinais estão no centro das reivindicações locais, tornando-se objetos "político-identitários" (Gaucher, 2009), e o desejo de reconhecimento das particularidades linguísticas impulsiona essa dinâmica. A Língua de Sinais Negra Estadunidenses (BASL), por exemplo, é um dialeto oriundo da Língua de Sinais Estadunidenses (ASL) desenvolvido em comunidades surdas afro- estadunidenses historicamente segregadas (McCaskil et al., 2011; Toliver-Smith e Gentry, 2017). Em Guadalupe, a comunidade surda também é caracterizada por uma identidade dupla, pertencendo a dois grupos sociais potencialmente inferiores, o que cria uma situação única de desvantagem e de discriminação. A opressão sofrida pelas pessoas surdas (do mundo ouvinte e da França hexagonal, a antiga Metrópole) reflete-se nas questões linguísticas ligadas ao lugar do crioulo e à apropriação progressiva das especificidades locais transmitidas pela Língua de Sinais Francesa em Guadalupe.

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Notas

1 No francês, há uma distinção clara entre sourd e malentendant, que reflete diferentes graus de perda auditiva e identidades associadas. O termo sourd refere-se a pessoas com perda auditiva severa ou total, frequentemente desde o nascimento, que muitas vezes se identificam com a cultura surda, incluindo o uso de línguas de sinais e uma identidade cultural própria. Já o termo malentendant designa pessoas com perda auditiva parcial (hipoacusia), que podem ainda manter algum nível de audição, frequentemente usando aparelhos auditivos ou outros dispositivos. No artigo, sourd é traduzido diretamente como "surdo". Já malentendant pode ser traduzido como "deficiente auditivo" ou, de forma mais inclusiva e sensível, "pessoa com deficiência auditiva". Voltar ao texto

2 O estudo foi realizado pelo Centre de Ressources - Observatoire des Inadaptations et des Handicaps de Guadeloupe (URIOPSS-CR-OIH) (Centro de Recursos - Observatório das Inadaptações e Deficiências da Guadalupe), em parceria com a Universidade das Antilhas (laboratório ACTES) e com o apoio da associação Bébian Un Autre Monde. Voltar ao texto

3 As Agências Regionais de Saúde (ARS) são responsáveis pela gestão regional do sistema nacional de saúde francês. Voltar ao texto

4 O equivalente ao Défenseur des droits en France (Defensor dos Direitos Humanos da França), no Brasil, é representado pela figura do Ombudsman ou por instituições específicas voltadas à proteção dos direitos humanos. No entanto, o Brasil não possui uma entidade única que reúna todas as funções, como ocorre na França. As principais instituições brasileiras comparáveis são: Defensoria Pública, que oferece assistência jurídica gratuita às pessoas economicamente vulneráveis, garantindo o acesso à justiça e a proteção dos direitos fundamentais; o Ministério Público, que defende os direitos fundamentais, o interesse coletivo e supervisiona o respeito às leis como guardião da Constituição; os Conselhos de Direitos Humanos e de Minorias, que atuam na promoção e proteção dos direitos fundamentais, embora de forma consultiva e política; as Ouvidorias, presentes em diferentes instituições públicas, para receber reclamações, monitorar violações de direitos e mediar conflitos; e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), órgão do governo federal encarregado de promover e proteger os direitos humanos. Diferentemente da França, onde o Defensor dos Direitos é uma instituição centralizada e abrangente, no Brasil essas funções estão divididas entre diversas entidades. Voltar ao texto

5 https://drees.solidarites-sante.gouv.fr/ressources-et-methodes/les-donnees-statistiques-sur-le-handicap-et-lautonomie Voltar ao texto

6 A França hexagonal ou metropolitana, também conhecida como França continental, refere-se à parte da República Francesa localizada na Europa. Assim, ela se distingue da França ultramarina, ou seja, as partes da República Francesa localizadas fora do continente europeu. Em 2018, foi apresentada uma emenda para substituir o termo "metrópole", considerado colonial, por "França hexagonal" na Constituição francesa. Ela foi rejeitada em 2021. Em 23 de maio de 2023, a Assembleia Nacional adotou por unanimidade uma emenda pedindo o abandono do termo "metrópole" em favor de "Hexágono" na lei de programação militar. Por enquanto, esses desenvolvimentos semânticos estão limitados a esse texto e são recentes: estudos científicos, pesquisas nacionais e textos públicos (por exemplo, relatórios do Ombudsman de Direitos Humanos da França) continuam a usar os termos "metrópole" ou "França metropolitana". Deve-se observar que o uso desses termos em nossos trabalhos anteriores (Ruffié e Villoing, 2020; Villoing et al., 2016; Ferez e Ruffié, 2015; Villoing e Ruffié, 2014) não reflete de forma alguma um posicionamento neocolonial, muito pelo contrário. Neste artigo e em futuras contribuições, estamos comprometidos em respeitar esses desenvolvimentos e em "descolonizar as palavras", como diz a emenda apresentada pelo deputado guadalupense Olivier Serva. Voltar ao texto

7 https://www.who.int/fr/news/item/02-03-2022-who-releases-new-standard-to-tackle-rising-threat-of-hearing-loss Voltar ao texto

8 A Agência Regional de Saúde da Guadalupe encomendou a pesquisa, insistindo que ela fosse realizada entre a população surda e com deficiência auditiva como um todo (não restrita à comunidade surda). Voltar ao texto

9 O sentimento de pertencimento à comunidade surda e o reconhecimento de uma identidade cultural e histórica e de uma língua compartilhada por seus membros são refletidos na grafia do termo "Surdo", com letra maiúscula, enquanto "surdo" se refere a uma condição fisiológica, de acordo com a distinção estabelecida pela Universidade de Gallaudet entre "deaf" e "Deaf". Embora inicialmente tenhamos tentado levar em conta a neutralidade do discurso e/ou a posição do informante (por exemplo, um fonoaudiólogo se referindo a "surdos"; uma pessoa Surda, usuária da LSF (Língua de Sinais Francesa) e ativista envolvida em associações, mencionando "cidadania Surda"), preferimos uniformizar a escrita do termo (em minúsculas) em todo o texto. Voltar ao texto

10 https://www.defenseurdesdroits.fr/rapport-la-mise-en-oeuvre-de-la-convention-relative-aux-droits-des-personnes-handicapees-cidph-278 Voltar ao texto

11 Défenseur des droits, "Chamada para depoimentos dos residentes dos territórios ultramarinos. Os territórios ultramarinos diante dos desafios de acesso aos direitos. As questões da igualdade perante os serviço públicos e a não discriminação.", 2019. https://juridique.defenseurdesdroits.fr/doc_num.php?explnum_id=19235 Voltar ao texto

12 N.T: A expressão “faire la sourde oreille” em francês é utilizada em linguagem coloquial no sentido de ignorar algo que é pedido ou solicitado, o equivalente aproximado em português seria “se fazer de surdo”. Voltar ao texto

13 "Surdos em Guadalupe," Yanous.com, 15 de fevereiro de 2019, https://www.yanous.com/tribus/sourds/sourds190215.html (acessado em 12 de setembro de 2024). Voltar ao texto

14 Idem. Voltar ao texto

15 A LSF "crioula" não existe oficialmente e sua história ainda não foi reconstruída, mas os discursos dos entrevistados mostram claramente que foram feitas adaptações, como mostra a integração de elementos do crioulo de Guadalupe. Voltar ao texto

16 Respondent Driven Sampling (RDS), "amostragem guiada pelos respondentes" (Heckathorn, 1997). Esse procedimento de amostragem baseia-se na crença de que, ao incentivar a participação dos entrevistados e mobilizar suas redes pessoais, é possível manter uma dinâmica de recrutamento ao longo de um número significativo de etapas. Voltar ao texto

17 Caisse d'Allocations Familiales (Caixa de Benefícios para as Famílias): órgão privado com jurisdição no departamento, responsável pelo pagamento de benefícios familiares ou sociais a indivíduos (benefícios estatutários). Voltar ao texto

18 O termo "procedimentos administrativos" foi escolhido como tradução para " démarches administratives", devido à sua equivalência direta no contexto técnico e formal. Ele se refere a etapas ou ações necessárias para atender às formalidades impostas pela administração pública ou privada, sem carregar a conotação negativa associada à "burocracia". Essa escolha busca manter a neutralidade do texto original, adequando-se ao contexto institucional ou acadêmico. Voltar ao texto

19 No texto original, foi mencionada a sigla PCH, que, no contexto de pessoas surdas, refere-se à Prestation de Compensation du Handicap (Prestação de Compensação da Deficiência). Trata-se de um benefício social oferecido na França, destinado a pessoas com deficiência, incluindo surdos, para ajudar a cobrir os custos relacionados à sua autonomia e inclusão. Voltar ao texto

20 France Travail, antigo Pôle Emploi, (a partir de janeiro de 2024): órgão administrativo público responsável pelo emprego na França. Voltar ao texto

21 As Maisons Départementales pour les Personnes Handicapées (MDPH) (Casas Departamentais para Pessoas com Deficiência) têm a missão de acolher, informar, acompanhar e aconselhar as pessoas com deficiência e suas famílias, bem como sensibilizar os cidadãos às deficiências. NT: As MDPH seriam espaços públicos de acolhimento com funções similares às da “Comissão de Direitos e Autonomia das Pessoas com Deficiência” (CDAPH). Voltar ao texto

22 No interior das MDPH, a Commission des droits et de l’autonomie des personnes handicapées (Comissão dos Direitos e da Autonomia das Pessoas com Deficiência) (CDAPH) são responsáveis por tomar decisões ou emitir pareceres após a avaliação da situação da deficiência por uma equipe multidisciplinar. Essas decisões ou pareceres são encaminhados aos órgãos competentes para a alocação de benefícios aos quais a pessoa tem direito, incluindo o Allocation aux adultes handicapés (Benefício para Adultos com Deficiência) (AAH), o Prestation de compensation du handicap (Benefício de Compensação por Deficiência) (PCH) e o Reconnaissance de la qualité de travailleur handicapé (Reconhecimento do Status de Trabalhador com Deficiência) (RQTH) (monparcourshandicap.gouv.fr). Voltar ao texto

23 https://www.defenseurdesdroits.fr/rapport-la-mise-en-oeuvre-de-la-convention-relative-aux-droits-des-personnes-handicapees-cidph-278 Voltar ao texto

24 https://www.legifrance.gouv.fr/loda/article_lc/LEGIARTI000033220166 Voltar ao texto

25 https://www.has-sante.fr/upload/docs/application/pdf/2018-10/aides_auditives_avis.pdf Voltar ao texto

26 O crioulo de Guadalupe (kréyòl gwadloupéyen) é um idioma formado no século XVIII a partir do francês, refletindo a história de seus falantes: descendentes de escravos das Antilhas francesas e imigrantes da Índia. Voltar ao texto

27 Em Guadalupe, o caranguejo terrestre é o prato tradicional consumido durante o feriado da Páscoa (especialmente no Matété a krab, um prato à base de caranguejos cozidos lentamente). É uma tradição herdada do período escravocrata (as pessoas escravizadas não podiam comer carne durante a Quaresma). Voltar ao texto

28 A fruta-pão (Artocarpus altilis), também conhecida como rimier, é uma espécie tropical que não existe na França continental. Na ausência de um sinal específico, o intérprete ou o usuário de LSF precisa decompor o termo em "fruta" e "pão" (o alimento feito de farinha e água). Voltar ao texto

29 O informante refere-se ao fato de que a colheita da uva ocorre em setembro na França continental; em Guadalupe não há videiras, devido a restrições climáticas. Outro entrevistado usa o exemplo de setembro/uvas: "Por exemplo, 'setembro', vamos dizer, é sinalizado como 'uva' porque há colheita de uvas e, portanto, na França, de fato, associamos 'setembro' a 'uva'. Mas em Guadalupe isso não faz sentido. Não faz sentido para nós. Porque os surdos dizem: "mas não temos colheita de uvas, se essa não é a minha identidade, não me reconheço nessa língua". Voltar ao texto

30 https://www.guadeloupe.ars.sante.fr/projet-regional-de-sante-ii-2018-2023 Voltar ao texto

Ilustrações

Para citar este artigo

Referência Eletrônica

Marie Cholley-Gomez, Sébastien Ruffié, Gaël Villoing e Sylvain Ferez, « Participação social e afirmação de identidade(s) entre os Surdos de Guadalupe: efeitos da dupla insularidade », Cahiers franco-latino-américains d'études sur le handicap [Online], 2 | 2024, Online desde 03 janvier 2025, Acessado em 15 janvier 2025. URL : https://cfla-discapacidad.pergola-publications.fr/index.php?id=420
DOI : https://dx.doi.org/10.56078/cfla_discapacidad.420

Autores

Marie Cholley-Gomez

Laboratório EPSYLON, Universidade Paul Valéry ; Montpellier ; Laboratório ACTES, Universidade das Antilhas, Pointe-à Pitre ; marie.cholley-gomez@univ-montp3.fr.
Doutora, Pesquisadora Científica, Pós-doutoranda, atualmente contribuindo para o desenvolvimento de uma rede multidisciplinar em pesquisa interventiva (SO-RISP). Seus trabalhos abordam questões de saúde pública, especialmente na prevenção primária de cânceres (doenças crônicas, deficiência, atividade física, alimentação), com foco em populações vulneráveis e na redução das desigualdades sociais e territoriais em saúde.

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Sébastien Ruffié

Laboratório ACTES, Universidade das Antilhas, Pointe-à-Pitre ;sebastien.ruffie@univ-antilles.fr
Professor universitário, vice-diretor da equipe ACTES 359 na Universidade das Antilhas, Pointe-à-Pitre. Pesquisador e docente especializado em ciências sociais, com interesse em públicos minoritários que vivenciam situações de deficiência e sua participação social, especialmente no campo das Atividades Físicas e Esportivas. Coordenou um programa de pesquisa interdisciplinar sobre a participação social de jovens com anemia falciforme, com ou sem transtornos neuro cognitivos, em Guadalupe.

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Gaël Villoing

Laboratório ACTES, Universidade das Antilhas, Pointe-à-Pitre ; gael.villoing@univ-antilles.fr
Docente e pesquisador, responsável pelo eixo "Atividades Físicas, Promoção da Saúde, Participação Social, Mobilizações Coletivas" da Equipe de Acolhimento ACTES 3596, especializado em ciências sociais. Seu trabalho foca em mobilizações coletivas organizadas por ou para públicos minoritários que vivenciam situações de deficiência, com o objetivo de promover sua participação social, especialmente por meio de Atividades Físicas e Esportivas.

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Sylvain Ferez

Laboratorio SANTESIH (Saúde, Educação e Situações de Deficiência), Universidade de Montpellier ; sylvain.ferez@umontpellier.fr
Docente – Habilitado a Dirigir Pesquisas, atualmente em delegação no CNRS no Centro Max Weber (UMR 5283). Desenvolve trabalhos no campo da sociologia do esporte, da deficiência e da educação física. Suas pesquisas exploram os desafios sócio-históricos relacionados ao acesso às práticas esportivas de lazer e/ou competição por pessoas com deficiência, além do impacto de doenças crônicas (infecção por HIV, fibrose cística, obesidade) na participação social e no envolvimento em atividades físicas e esportivas.

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Direito autoral

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