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Os artigos reunidos nesta terceira edição dos Cadernos Franco-Latino-Americanos de Estudos sobre Deficiência convergem em torno de uma preocupação central: as tensões entre o reconhecimento formal dos direitos e as práticas institucionais e sociais que constituem barreiras persistentes ao pleno exercício da cidadania das pessoas com deficiência. Através de diferentes contextos nacionais e campos de ação (o mundo do trabalho, o sistema educacional, o âmbito universitário e os espaços de mobilização social), as contribuições desta edição questionam os mecanismos que perpetuam a exclusão e visibilizam as estratégias de resistência e transformação desenvolvidas pelas pessoas com deficiência e seus aliados. Em conjunto, esses trabalhos evidenciam que os discursos de inclusão e equidade requerem não apenas marcos normativos progressistas, mas também mudanças profundas nas estruturas de poder, nas práticas cotidianas e nas concepções sobre o que é “normalidade” em nossas sociedades.

A edição começa com o trabalho de Luanda Chaves Botelho sobre mulheres com deficiência em carreiras de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática no Brasil. Botelho apresenta e examina pela primeira vez dados sobre a presença desse coletivo nessas profissões, um grupo invisibilizado tanto nas políticas de promoção da participação feminina quanto nas estatísticas oficiais. Através da análise de informações censitárias, Botelho evidencia que quem se forma nessas carreiras alcança maiores taxas de ocupação e rendimentos superiores, e que as disparidades de desigualdade nessas áreas são menores do que no mercado de trabalho em geral. No entanto, no que diz respeito ao acesso e à permanência nessas profissões, os resultados destacam a posição desfavorável das mulheres com deficiência em comparação com os homens com deficiência e com as pessoas sem deficiência, resultado que evidencia as múltiplas camadas de desigualdade que operam na interseção entre gênero e deficiência.

O artigo de Tamara Dmitrieva nos leva ao sistema educacional francês para analisar as trajetórias e experiências de alunos surdos que são orientados para o ambiente médico-social. Apesar das políticas de inclusão escolar que favorecem a escolarização em contextos comuns, uma parte dos alunos surdos continua sendo encaminhada para instituições médico-sociais. A pesquisa de doutorado em sociologia de Dmitrieva examina essa situação sob dois ângulos: os profissionais atribuem as dificuldades escolares, sociais e linguísticas dessas crianças às suas trajetórias e contextos familiares, enquanto as famílias percebem essas trajetórias como resultado de processos de anormalização nos quais seus filhos e filhas são desqualificados de acordo com as normas escolares e linguísticas hegemônicas. A escolarização no meio médico-social surge como uma resposta que busca gerar espaços de normalidade, revelando as contradições de uma sociedade que proclama a inclusão, mas que continua operando com base em normas pré-estabelecidas.

A problemática do acesso ao trabalho reaparece no contexto latino-americano com a análise de Sergio Hernán Blogna Tistuzza sobre a ação de amparo como mecanismo de proteção do direito ao trabalho das pessoas com deficiência no âmbito público da Cidade Autônoma de Buenos Aires, Argentina. Partindo do conceito de prestação de contas horizontal de Guillermo O’Donnell e da análise da qualidade democrática na América Latina, esta investigação argumenta que as instituições de controle apresentam um funcionamento deficiente que resulta em uma aplicação parcial da normativa sobre cotas trabalhistas. Por meio de um estudo de casos judiciais desde a criação da cota constitucional em 1996, Blogna Tistuzza avalia a eficácia do amparo como instrumento de controle horizontal e sua capacidade real de garantir o acesso ao trabalho de pessoas com deficiência na administração pública da cidade de Buenos Aires, em um contexto em que esse coletivo exemplifica uma cidadania de baixa intensidade, com acesso limitado aos direitos econômicos e sociais.

O meio acadêmico, espaço privilegiado de produção de conhecimento, também não escapa às dinâmicas de exclusão. A contribuição de Victoire Bajard, Laure Abdelmoumeni e Véro Leduc evidencia os principais desafios enfrentados por pesquisadores surdos no meio universitário, uma dimensão ignorada pelos estudos sobre ética na pesquisa com pessoas surdas. A partir de entrevistas realizadas inteiramente em línguas de sinais com onze participantes de oito países, este trabalho revela os problemas enfrentados por pesquisadores surdos em contextos acadêmicos, nos quais são submetidos a opressões sistemáticas. Entre os temas abordados estão a autodeterminação linguística, as desigualdades institucionais, o estresse próprio das minorias e os processos de aculturação surda, dimensões fundamentais para compreender as barreiras que persistem na academia e que afetam o bem-estar dos pesquisadores e participantes surdos.

Por fim, o número encerra com um olhar sobre as ações coletivas de resistência. O artigo sobre corpos em conflito e normalidade em disputa analisa um episódio de mobilização ocorrido em Córdoba, Argentina, em 2022, vinculado ao slogan #Noalajusteendiscapacidad, impulsionado pela Assembleia Nacional de Deficientes contra os cortes no sistema de benefícios. No contexto do capitalismo neocolonial, a deficiência permite questionar os processos de normalização que estruturam o social. Por meio de registros etnográficos, entrevistas e análises de mídia, propõe-se uma leitura do conflito que articula a teoria da ação coletiva com a sociologia dos corpos e das emoções. As manifestações tornam visível a tensão entre direitos formalmente reconhecidos e práticas institucionais que perpetuam a dependência e a exclusão, revelando as geometrias corporais que emergem da alteridade em uma sociedade atravessada pela ideologia da normalidade. Nesse cenário, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é utilizada como ferramenta de luta para exigir o cumprimento efetivo dos direitos.

As contribuições reunidas neste terceiro número da nossa revista evidenciam que o caminho para sociedades verdadeiramente inclusivas requer não apenas o reconhecimento formal dos direitos, mas também a transformação das estruturas institucionais, das práticas cotidianas e das concepções culturais que limitam o pleno exercício da cidadania. Os trabalhos aqui apresentados nos convidam a repensar criticamente os mecanismos de exclusão que operam em diversos espaços, laborais, educacionais, acadêmicos e sociais, e a reconhecer as múltiplas formas de agência e resistência desdobradas pelas pessoas com deficiência para reivindicar seus direitos. Esperamos que esta edição contribua para fortalecer os diálogos franco-latino-americanos em torno desses temas fundamentais.

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María Fernanda Arentsen, Carolina Ferrante, Gildas Brégain et Valéria Aydos, « Reflexões da equipe editorial », Cahiers franco-latino-américains d'études sur le handicap [En ligne], 3 | 2025, mis en ligne le 06 décembre 2025, consulté le 13 décembre 2025. URL : https://cfla-discapacidad.pergola-publications.fr/index.php?id=539

Auteurs

María Fernanda Arentsen

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