Introdução
As pessoas surdas foram marginalizadas por muito tempo nos meios acadêmicos, nos quais suas contribuições ainda são frequentemente subestimadas (Young & Hunt, 2011; McKee et al., 2012, 2013; Singleton et al., 2017). Elas foram vistas principalmente como objetos de estudo e não como sujeitos, seja como pesquisadoras, seja como participantes. Essa exclusão deu origem a práticas de pesquisa conduzidas mais frequentemente por pesquisadoras/es ouvintes, raramente levando em consideração as realidades, os desafios e os saberes das pessoas e comunidades surdas (Meynard, 2010; Schmitt, 2012; Singleton et al., 2014).
No âmbito das atividades da Cátedra de Pesquisa do Canadá a sobre cidadania cultural das pessoas surdas, realizamos uma pesquisa com o objetivo de:
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explorar as principais lacunas e os desafios nas práticas de pesquisa atuais com pessoas surdas;1
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identificar os aspectos éticos importantes para realizar pesquisas com pessoas surdas (por exemplo, estratégias de pesquisa, compartilhamento de benefícios, uso das informações coletadas e financiamento de medidas de equidade);
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criar diretrizes para a pesquisa com pessoas surdas.
Além da coleta de dados necessária para esses objetivos, as entrevistas permitiram identificar outras questões, como os desafios enfrentados por pesquisadoras/es e estudantes surdas/os em seus processos de pesquisa e em suas trajetórias no meio acadêmico. Vários temas foram abordados, desde obstáculos presentes nos ambientes de trabalho até propostas para atualizar as práticas de pesquisa. Neste artigo, optamos por nos concentrar particularmente na questão do estresse minoritário vivido por pesquisadoras/es e estudantes surdas/os, abordando vários aspectos mencionados pelo grupo de participantes, dentre eles os desafios relacionados à interpretação em língua de sinais e à saúde mental no trabalho.2
Em primeiro lugar, situamos nossa problemática por meio de uma síntese da revisão da literatura. Em seguida, apresentamos nosso quadro teórico, articulado em torno da teoria do estresse minoritário e ancorado nos estudos críticos sobre deficiência e surdez. Depois, detalhamos o projeto de pesquisa: trata-se essencialmente de entrevistas semiestruturadas. Por fim, a última seção do artigo aborda parte dos resultados, particularmente os desafios relacionados à opressão sistêmica no meio universitário e ao estresse minoritário vivenciado por pesquisadoras/es e estudantes surdas/os.
Revisão da literatura: desafios e implicações éticas na pesquisa com pessoas surdas
Desde o primeiro Código de Ética de Nuremberg, em 1947, a ética em pesquisa designa um conjunto de práticas que visam à proteção dos seres humanos que participam de pesquisas científicas, com base nos valores de respeito, de bem-estar e de justiça. No Canadá, a Declaração de Política dos Três Conselhos de Pesquisa é referência: Ética em Pesquisa com Seres Humanos – EPTC 2 (2022) estabelece os pré-requisitos e os princípios norteadores necessários em matéria de pesquisa. Quanto à ética em pesquisa sobre ou com pessoas surdas, trata-se ainda de um tema pouco explorado na literatura.
Existem numerosos estudos sobre a cultura surda (Sacks, 1990; Mottez, 2006; Delaporte, 2002; Blais & Desrosiers, 2003), quer se refiram à história surda (Fischer & Lane, 1993; Lachance, 2007; Cantin, 2018; Cantin et al., 2019), quer façam alusão às trajetórias da identidade surda (Dubuisson & Grimard, 2010; Bertin, 2010; Gaucher, 2009; Ladd, 2003). Foi no século XX, no contexto do chamado Réveil sourd (Despertar surdo), que se desenvolveu uma multiplicidade de expressões artísticas, culturais e identitárias (Minguy, 2009; Kerbourc’h, 2012; Bedoin, 2018), como o “Surdismo”, movimento artístico francês iniciado por Arnaud Balard (2009), que propôs a bandeira oficial dos/as Surdos/as (criada em 2013 e adotada em 2023 pela Federação Mundial dos Surdos). Esses trabalhos, entre outros, permitiram compreender a surdez além dos quadros médicos e patologizantes, ao mesmo tempo em que destacaram as especificidades sociais e culturais das comunidades surdas. Contudo, as pessoas surdas têm sido historicamente objeto de curiosidade no mundo da pesquisa médica, linguística e cultural, contribuindo para perpetuar práticas de pesquisa inadequadas e excludentes (Pollard, 1992; Harris et al., 2009; Young et al., 2011).
A literatura sobre práticas éticas de pesquisa com pessoas surdas destaca os desafios relacionados à comunicação, enfatizando o respeito às especificidades culturais das comunidades surdas, bem como as dificuldades de acesso a recursos, conhecimento e representação das pessoas surdas nos espaços de pesquisa. Em 1992, o pesquisador Robert Pollard, do Instituto Técnico Nacional para Surdos, em Rochester, analisou a pesquisa envolvendo pessoas surdas e propôs recomendações para melhorar as práticas na área. Ele destacou a necessidade de estabelecer diretrizes para que a pesquisa fosse ética e respeitosa das culturas surdas e das línguas de sinais. Infelizmente, suas recomendações não foram suficientes para acarretar as mudanças esperadas.
Foi principalmente na virada da década de 2010 que pesquisadoras/es se interessaram pelo desenvolvimento de abordagens de pesquisa justas e responsáveis com pessoas surdas (Young & Hunt, 2011; Singleton et al., 2015; Harris et al., 2009; Parks, 2019). Vários trabalhos sugerem diferentes recomendações necessárias para uma abordagem ética na pesquisa sobre comunidades surdas (Parks, 2019; Singleton et al., 2014; Harris et al., 2009; McKee et al., 2012). Dentre os desafios identificados, McKee et al. (2012, 2013) ressaltam a importância de garantir que as pessoas surdas envolvidas, seja como pesquisadoras, seja como participantes, participem de forma ativa e contínua da pesquisa. Assim, um projeto de pesquisa deve incluí-las desde as etapas iniciais para que sejam, desde o início, colaboradoras e partes interessadas, em vez de simples objetos de estudo. Além disso, a literatura destaca a importância de se dar atenção à diversidade dos perfis do conjunto de participantes, a fim de refletir as múltiplas realidades vividas pelas pessoas surdas, incluindo pessoas com deficiência auditiva, oralistas e sinalizantes, bem como aquelas pertencentes a outros grupos marginalizados, como pessoas racializadas ou provenientes da diversidade sexual e de gênero (Young, 2011; Singleton et al., 2014, 2015; Krawczyk et al., 2024).
A contribuição de autoras/es acima mencionadas/os para a consideração de abordagens éticas de pesquisa envolvendo pessoas surdas pode ser compreendida sob a ótica da justiça epistêmica (Fricker, 2007). Por exemplo, o modelo patologizante da surdez, persistente no mundo da pesquisa, nega a identidade cultural das pessoas surdas (Singleton, 2017; Wilson 2014; McKee et al., 2013). Ao fazer isso, as práticas enraizadas nesse paradigma impedem sua agência epistêmica (Catala et al., 2021), além de contribuir, na maioria das vezes, para a produção de trabalhos de pesquisa tendenciosos, pouco acessíveis às comunidades envolvidas e antiéticos. Nesse sentido, o respeito a certas diretrizes na coleta de dados e nos processos de produção de conhecimento poderia contribuir para o combate às desigualdades epistêmicas historicamente vividas pelas pessoas surdas.
Embora algumas recomendações, oriundas de trabalhos críticos, sejam preconizadas no âmbito da pesquisa com pessoas surdas, elas não são oficialmente reconhecidas nem institucionalizadas. De maneira geral, as diretrizes éticas enfatizam a integridade científica e a proteção dos direitos de quem participa das pesquisas, especialmente no que diz respeito à confidencialidade e aos conflitos de interesse (EPTC, 2022). No entanto, não são suficientes para evidenciar a importância de se considerar a identidade cultural das pessoas surdas. O relatório da pesquisa “Elaborar diretrizes em ética da pesquisa com pessoas surdas”3 (Bajard, Abdelmoumeni & Leduc, a ser publicado em 2026) e o artigo “Questões de supremacia e extrativismo: repensar a ética da pesquisa com comunidades surda”4 (Abdelmoumeni, Bajard & Leduc, no prelo) apresentam várias reflexões e possíveis soluções a esse respeito.
Como há, cada vez mais, pessoas surdas que também são pesquisadoras, é importante preocupar-se com o seu bem-estar. Ainda que grande parte de pesquisadoras/es e estudantes enfrente maior esgotamento profissional em ambientes acadêmicos (Faye-Dumanget et al., 2018; Governo do Canadá, 2023), a saúde mental de pesquisadoras/es provenientes de minorias continua sendo muito pouco documentada. Além disso, apesar de as entrevistas realizadas no âmbito da presente pesquisa revelarem vários desafios, este artigo se concentra particularmente no estresse minoritário vivido por pesquisadoras/es e estudantes surdas/os do ensino superior.
Quadro teórico
A abordagem teórica inicial baseou-se na pesquisa em estudos críticos sobre deficiência e surdez. Em seguida, durante a análise dos resultados das entrevistas, a noção de estresse minoritário surgiu de forma indutiva.
A teoria do estresse minoritário
O estresse designa uma reação fisiológica e biológica a uma situação percebida como difícil ou ameaçadora e foi estudado em vários contextos de trabalho que o geram (Gintrac, 2011). Meyer, professor e pesquisador em políticas públicas e em direito da orientação sexual no Instituto Williams da Universidade da Califórnia em Los Angeles, desenvolveu a teoria do estresse minoritário em 2003 com o intuito de descrever as disparidades relativas à saúde entre pessoas da diversidade sexual em relação às populações heterossexuais. Sua pesquisa demonstra que essas diferenças se explicam pela exposição excessiva ao estresse social gerado pelos estigmas sistêmicos relacionados ao status social (Frost e Meyer, 2023).
Em sua teoria, Meyer distingue o estresse minoritário do estresse geral pela origem dos estigmas:
Assim, um fator de estresse, como a perda de um emprego, pode ser um fator de estresse geral ou um fator de estresse minoritário, caso seja motivado por preconceitos contra pessoas pertencentes a uma minoria sexual ou de gênero, em oposição, por exemplo, a recessões econômicas que afetam todas as pessoas, independentemente de sua identidade sexual ou de gênero. (Frost & Meyer, 2023, p. 2, tradução livre)5
Essa teorização do estresse minoritário é inspirada nos trabalhos de Clark et al., (1999) sobre o modelo biopsicossocial e nas pesquisas realizadas por pesquisadoras/es afro-estadunidenses para estudar os efeitos psicológicos, sociais e fisiológicos do racismo percebido em situações de estresse vivenciadas por essas populações.
Assim, o estresse minoritário, distinto de outras formas de estresse, resulta da estigmatização social, de experiências de discriminação e de microagressões, e é reforçado por estruturas sociais e culturais profundamente enraizadas (Baruch et al., 1987; Pearlin, 1999; Meyer, 2003). É socialmente construído e não está relacionado a fatores biológicos ou individuais isolados. Desde sua introdução, o conceito de estresse minoritário foi ampliado para outros grupos marginalizados, incluindo o de pessoas com deficiência (Botha & Frost, 2020; Lund, 2021). Mousley, pesquisadora em neurociências, psicologia e estudos sobre surdez, observa que poucos estudos se interessaram pelos efeitos da discriminação na saúde de pessoas adultas surdas. Em suas pesquisas sobre o bem-estar de pessoas surdas adultas, sugere que o estresse minoritário se manifesta nessas pessoas por meio de três formas de estigmatização: vivida, antecipada e internalizada, afetando gravemente o bem-estar dos envolvidos (Mousley & Chaudoir, 2018).
O estresse minoritário é o principal conceito por meio do qual apreendemos as opressões sistêmicas vividas pelas pessoas surdas neste artigo. Os estudos sobre surdez e os estudos críticos sobre deficiência constituem a base teórica global do nosso projeto de pesquisa.
Estudos sobre surdez
Os estudos sobre surdez examinam as relações de poder entre pessoas surdas e ouvintes para analisar os mecanismos de opressão e de agência (Padd, 2003). Esses estudos permitem considerar as realidades vividas pelas pessoas surdas por meio de um modelo cultural que enfatiza a cultura surda, as dimensões existenciais das pessoas e sua participação, bem como seus direitos culturais (Bauman & Murray, 2009). Entre as principais contribuições desse campo de estudos destacam-se os conceitos de surdidade (Deafhood)6 e de ganho surdo (Deaf Gain) (Kusters et al., 2017, 2017). Proposto por Paddy Ladd, o conceito de surdidade permite desconstruir a visão médica da surdez centrada na ideia de um ouvido deficiente e promove perspectivas que enfatizam a afirmação das identidades e dos sentimentos de pertencimento surdos (Ladd, 2003, 2005, 2007). Concebida como um “processo de definição do estado existencial do ‘ser-no-mundo’ dos/as Surdos/as” (Ladd, 2003, p. xviii, tradução livre), a surdidade permite “enfatizar a posição existencial das pessoas surdas, em vez de tratar a surdez como patologia ou condição física” (Leduc et al., 2020, p. 10). Entre outras contribuições, esse conceito é “uma ferramenta eficaz para desconstruir a opressão exercida pela sociedade majoritariamente ouvinte” (Leduc, 2016). O conceito de ganho surdo (Bauman & Murray, 2009; 2014), por sua vez, permite reverter a concepção médica dominante da surdez e reconhecer o valor agregado dos valores culturais e do pertencimento surdo (Holcomb & Golaszewski, 2016).
O audismo e o linguicismo são duas formas de dominação estrutural particularmente estudadas nos estudos sobre surdez. O audismo, tal como definido por Humphries (1977) e desenvolvido por Bauman (2004), Lane (2010) e Leduc (2020), designa um sistema de normas e de práticas que valoriza os modos de vida, os corpos e as formas de comunicação das pessoas ouvintes, marginalizando as experiências surdas. Trata-se de uma forma de poder sistêmico que impõe uma hierarquia entre as modalidades sensoriais e comunicacionais e inferioriza as línguas de sinais e as subjetividades surdas.7 Quanto ao conceito de linguicismo,8 introduzido por Skutnabb-Kangas e Phillipson (1995), ele permite compreender as discriminações baseadas na hierarquização das línguas, em benefício daquelas consideradas “majoritárias”, como o francês ou o inglês. Aplicado às línguas de sinais, o linguicismo revela um desprezo institucionalizado que impede seu reconhecimento como línguas de pleno direito. Em 2023, setenta e seis países reconheciam oficialmente as línguas de sinais regionais ou nacionais (De Meulder, 2015; De Meulder et al., 2019; FMS, 2023). Embora as línguas de sinais tenham evoluído e seu reconhecimento tenha chegado tardiamente, vestígios dessa falta de reconhecimento linguístico e cultural, bem como fraturas comunicacionais, persistem. Pesquisadoras/es surdas/os, cuja primeira língua é frequentemente uma língua de sinais, muitas vezes se veem excluídas/os dos espaços de produção e de circulação do conhecimento, dos debates científicos e das oportunidades acadêmicas. Apesar de as línguas de sinais terem reconhecimento parcial, legislativo ou constitucional em seus respectivos países, a maioria das pessoas entrevistadas nesta pesquisa relata experiências acadêmicas semelhantes, mesmo oriundas de países diferentes. Essa marginalização linguística contribui para uma participação desigual na produção científica e constitui um dos principais obstáculos à inclusão acadêmica das pessoas surdas (O’Brien & Emery, 2014).9
Estudos críticos sobre deficiência
Os estudos sobre deficiência, ou Disability Studies,10 surgiram na década de 1970 nos Estados Unidos e na Inglaterra (Burch & Kafer, 2010) e constituem a segunda base teórica desta pesquisa. Esse campo de estudos convida a reconsiderar, numa perspectiva crítica, a forma de conceber a deficiência, permitindo desconstruir o modelo médico e avançar em direção a um conhecimento experiencial da deficiência. No final da década de 1990, observa-se um questionamento do modelo social da deficiência, construído em reação ao modelo médico (Masson, 2013). Os estudos sobre deficiência passam então a dialogar com as contribuições das feministas com deficiência, que apontam que o modelo social da deficiência falha em evitar a reprodução dos mecanismos de exclusão, baseando-se numa figura masculina ocidental e ignorando os limites do corpo, que persistem apesar do apagamento das barreiras sociais – como a fadiga ou as dores crônicas (Morris, 1998; Crow, 1996; Baril, 2018). É nessa interseção entre o feminismo e os estudos sobre deficiência que surge a reivindicação, além da reversão da visão da deficiência imposta pelo modelo médico, de uma acessibilidade universal que não limite mais o engajamento social (Masson, 2013). Os estudos sobre deficiência estão frequentemente ligados a movimentos sociais em prol da justiça para as pessoas com deficiência, particularmente por meio da defesa de seus direitos, da acessibilidade, da inclusão e do desmantelamento dos preconceitos baseados na deficiência numa sociedade capacitista (Piepzna-Samarasinha, 2018; Kafer, 2013).
Mais especificamente, apoiamo-nos nos estudos críticos sobre deficiência (Critical Disability Studies), que se distinguem dos estudos sobre deficiência. Estes últimos articulam-se em torno do lugar central atribuído às pessoas com deficiência na produção de conhecimento e baseiam-se no reconhecimento das lutas e dos movimentos sociais liderados por pessoas com deficiência (Albrecht et al., 2001). Por sua vez, os estudos críticos sobre deficiência surgem, particularmente, na sequência de uma crítica aos limites dos estudos sobre deficiência, introduzindo diálogos com outros tipos de estudos críticos e interseccionais (raça, gênero, etc.). Assim, os estudos críticos sobre deficiência avançam mais no que tange às relações de poder e debruçam-se sobre vários mecanismos de opressão sistêmica, principalmente aqueles vividos por pessoas invisibilizadas nos estudos sobre deficiência, tais como mulheres, pessoas racializadas ou oriundas das minorias sexuais e de gênero (Garland-Thompson, 2002; Davis, 2013; Shildrick, 2020). Além disso, essa abordagem situa-se em uma perspectiva interseccional, na qual se articulam gênero, raça, classe social e deficiência, e que analisa como a experiência dessas múltiplas discriminações sistêmicas e desses múltiplos pertencimentos influencia as relações de poder e as experiências das pessoas (Garland-Thomson, 2013). Novas perspectivas epistemológicas, ontológicas e metodológicas surgem, portanto, graças aos estudos críticos sobre deficiência (Bérubé, 2023; McRuer, 2006; Hall, 2019).
Em suma, os estudos sobre deficiência apostam na participação das pessoas com deficiência na construção do conhecimento científico, numa abordagem interdisciplinar e no reconhecimento das lutas e dos movimentos sociais liderados por pessoas com deficiência como fundamentos da construção do conhecimento (Albrecht et al., 2001). Quanto aos estudos críticos sobre deficiência, esses visam desconstruir as diversas opressões sistêmicas, contribuir de forma mais efetiva para a agência das pessoas com deficiência — especialmente aquelas que foram historicamente minorizadas (mulheres, pessoas racializadas, pessoas da diversidade sexual e de gênero) — e conceber epistemologicamente a deficiência não apenas como uma experiência social, mas também como uma maneira de perceber e compreender o mundo, que merece ser considerada e reconhecida (Leduc, 2025).
Na interseção entre os estudos críticos sobre surdez e os estudos críticos sobre deficiência
Os estudos críticos sobre surdez são muito semelhantes aos estudos críticos sobre deficiência. Ambos reavaliam os paradigmas fundadores e evidenciam a sutileza de certas relações de poder (Kusters et al. 2017). Os estudos críticos sobre surdez e deficiência apresentam semelhanças, principalmente na crítica ao modelo médico e às normas capacitistas e audistas (Andersson et al., 2010, em Burch et al., 2010; Leduc et al., 2020), na reivindicação dos direitos fundamentais das pessoas envolvidas e na denúncia de instituições opressivas, situando-se na interseção entre pesquisa e ativismo. Movimentos militantes contribuíram, assim, tanto para a construção e a valorização de saberes situados e experienciais das pessoas surdas ou com deficiência, como para a mobilização em matéria de direitos humanos (O’Toole, 2010, em Burch & Kafer, 2010).
A interseção entre os estudos surdos e os estudos críticos sobre deficiência permite considerar melhor as pessoas com identidades múltiplas e com várias deficiências, como as pessoas surdocegas (Andersson & Burch, 2010, em Burch & Kafer, 2010). Essas interseções permitem ainda levar em consideração tanto as realidades globais quanto os contextos específicos — culturais, geográficos ou relacionados aos sistemas de saúde (Andersson & Burch, 2010, em Burch & Kafer, 2010). Essa abordagem propõe ampliar as fronteiras ontológicas e epistemológicas dos quadros teóricos (Brueggemann, em Burch & Kafer, 2010), fazendo-os evoluir em direção a uma perspectiva multidimensional e não monolítica.
Essa orientação teórica permite informar melhor as posturas ontológicas, epistemológicas e metodológicas deste projeto de pesquisa. Mas, antes de prosseguirmos com a metodologia desta pesquisa, é importante observar que a literatura francófona no campo dos estudos críticos sobre deficiência está em desenvolvimento, ainda que atrasada em relação ao mundo anglófono (Bérubé, 2023). A construção de conhecimentos francófonos, mas também em línguas de sinais, continua, portanto, a ser uma necessidade e só podemos esperar mais contribuições nesta área.
Projeto metodológico
A metodologia da nossa pesquisa articula-se em torno de uma postura epistemológica situada e de uma abordagem qualitativa, baseada numa revisão da literatura, na realização de entrevistas e na análise temática dos dados coletados.
Uma postura epistemológica situada
Como somos três pesquisadoras surdas, decidimos ancorar a perspectiva epistemológica desta pesquisa nos saberes situados (Juteau-Lee, 1981; Hartsock, 1983; Smith, 1999; Mohanty, 1988, 1987; Haraway, 2009). Esta postura baseia-se na experiência minorizada e nos saberes experienciais como fundamentos da construção do conhecimento científico.
A experiência não é algo que os indivíduos têm ou fazem, mas aquilo por meio do qual se constituem os sujeitos (Scott, 1991). Nesse sentido, designa “o processo pelo qual [...] a subjetividade é construída” (De Lauretis, 1984, p. 159). De certa forma, elaborar saberes recorrendo ao conhecimento experiencial permite “contrapor-se ao fato de que falam por nós ou de sermos “alterizadas/os” de forma estereotipada” (Pickering, 2008, p. 20). Como sublinha Véro Leduc,
É particularmente a partir da ausência, da minorização ou da alterização de certos grupos sociais no cerne das representações e da economia do conhecimento que autoras/es no campo dos estudos críticos surdos, da deficiência, queer e feministas mobilizam a noção de experiência e, mais precisamente, os conhecimentos experienciais. (Leduc, 2016, p. 71)
Não se trata de uma postura tão nova assim. Já no início do século XX, Max Weber reconhece que nossa maneira de apreender e de conhecer a realidade é forjada pelo que é “historicamente significativo aos nossos olhos” (Weber, 1983, p. 99). Com o passar do tempo, várias correntes de pensamento põem em xeque as perspectivas científicas positivistas clássicas e seus postulados de objetividade universal e neutralidade, inaugurando novos paradigmas epistemológicos e novas concepções da normatividade científica (Popper, 1934; Kuhn & Meyer, 1983; Berger & Luckmann, 2016; Alvesson & Skoldberg, 2009; Freitag, 1987; Granger, 1999). Entre outras, as perspectivas feministas denunciam o androcentrismo e o eurocentrismo na história da produção de conhecimento, argumentando que todo conhecimento é “parcial e enviesado” (Juteau-Lee, 1981), social e historicamente situado (Dorlin, 2009; Haraway, 1988, 2009; Harding, 1986, 1987, 1991; Hartsock, 1983; Hirschmarm, 1998; Juteau-Lee, 1981; Ollivier & Tremblay, 2000). O conceito de ponto de vista situado leva-nos a reconhecer a influência que nossos contextos sociais e culturais têm sobre nossos saberes (Smith, 1999).
A abordagem dos saberes situados (Hartsock, 1983; Haraway, 1988) enfatiza as “estreitas ligações entre a teoria e a luta dos grupos dominados pelo reconhecimento de seus pontos de vista” (Ollivier & Tremblay, 2000, p. 5). No entanto, apesar da riqueza das perspectivas das pessoas minorizadas, nada as isenta de um “reexame crítico” (Haraway, 2009, p. 336-337). De fato, ser uma pessoa minorizada não é condição suficiente nem para a tomada de consciência, nem para uma verdade justificada pelo argumento da opressão (Haraway, 1988; Felski, 1989; Wendell, 1996). Os saberes situados, provenientes das experiências, constituem uma das formas, dentre outras, de interpretar o mundo. Assim, quando mobilizados como ferramenta analítica ou postura epistêmica, seu uso não pode prescindir de uma reflexividade crítica (Pickering, 2008; Lawler, 2008, citados por Leduc 2016).
Ao adotar uma postura epistemológica situada, reconhecemos que compartilhamos certas realidades vividas por várias pessoas surdas, tais como os desafios na comunicação com pessoas ouvintes ou ainda as estratégias mobilizadas para enfrentar os obstáculos e a opressão. De fato, apesar da diversidade de nossas trajetórias acadêmicas e dos diferentes modos de comunicação utilizados no dia a dia, compartilhamos uma constatação comum com o grupo de participantes da pesquisa, provenientes de diferentes países: um conjunto de dificuldades institucionais que se impõem às pessoas surdas ao longo de suas trajetórias universitárias, principalmente a experiência do audismo sistêmico e da discriminação linguística. Eis aqui um fato revelador e paradoxal: no âmbito desta pesquisa sobre ética, enfrentamos obstáculos financeiros relacionados aos serviços de interpretação entre línguas de sinais e línguas orais, o que dificultou a divulgação de nossos resultados em conferências ou oficinas. Adotar tal postura situada permite não individualizar as experiências das pessoas surdas a fim de colocá-las em um contexto sistêmico. Para nós, esse posicionamento é necessário para destacar os desafios encontrados — que não são situações pessoais, mas sim lógicas estruturais — e dar conta das dinâmicas de poder e de exclusão em curso. A ressonância entre nossas posturas como pesquisadoras e as do grupo de participantes permite refletir sobre as maneiras como as posturas — sejam elas surdas ou ouvintes — influenciam a construção de saberes.
Uma pesquisa qualitativa
A primeira fase da nossa pesquisa consistiu numa revisão da literatura sobre surdez e questões éticas relacionadas à pesquisa com pessoas surdas. Essa análise permitiu identificar as práticas existentes e as lacunas relativas às pessoas surdas no campo da pesquisa. A segunda fase tomou forma através de entrevistas semiestruturadas realizadas com pessoas surdas oriundas do meio acadêmico.
Demos prioridade a uma troca livre nos grupos, mantendo uma orientação comum em torno dos mesmos temas. Embora as perguntas feitas variassem ligeiramente de uma entrevista para outra, as principais questões diziam respeito às experiências universitárias de estudantes, pesquisadoras/es ou professoras/es. Posteriormente, as pessoas participantes foram convidadas a compartilhar seus pontos de vista sobre as formas de melhorar as práticas de ética em pesquisa, tanto no que se refere à inclusão de pessoas surdas em projetos de pesquisa quanto ao campo dos estudos sobre surdez. Por fim, foram levados a identificar as mudanças que consideravam mais urgentes a serem implementadas nos próximos dez anos.
A amostra não probabilística inclui onze respondentes, com idades entre 31 e 52 anos, provenientes de oito países (Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Lituânia e Nepal). O perfil sociodemográfico das pessoas entrevistadas é diversificado. Em termos de gênero, o estudo conta com oito mulheres e três homens. Quanto ao status profissional, há cinco estudantes de pós-graduação que exercem outras profissões paralelamente (sendo duas/dois de mestrado e três de doutorado), três docentes, um/uma pesquisador/a e duas/dois profissionais da área de consultoria. Várias línguas de sinais e línguas escritas constituem as principais línguas das pessoas entrevistadas: francês, língua de sinais francesa (LSF), inglês, língua de sinais estadunidense (ASL), português, língua de sinais brasileira (LIBRAS), russo, língua de sinais russa (RSL), italiano, língua de sinais italiana (LIS), nepalês, língua de sinais nepalesa (NSL), espanhol, língua de sinais espanhola (LSE), lituano e língua de sinais lituana (LSL).
Além disso, as pessoas entrevistadas são oriundas de regiões geográficas onde as línguas de sinais têm estatutos diferentes. De fato, o reconhecimento oficial das línguas de sinais varia de acordo com os contextos nacionais. No que diz respeito ao estatuto linguístico das línguas de sinais por país, a Federação Mundial de Surdos (FMS) atualiza regularmente a lista de reconhecimentos jurídicos das línguas de sinais nacionais (FMS, 2025). Na Lituânia, esse reconhecimento remonta a 1995, o que permitiu integrar a língua de sinais lituana nos serviços educacionais e públicos. No Brasil, a língua de sinais brasileira (LIBRAS) foi reconhecida em 2002, e sua implementação foi detalhada por um decreto em 2005. Na Espanha, a lei 27/2007 consagrou o reconhecimento oficial da língua de sinais espanhola, seguido, em 2010, pelo reconhecimento da língua de sinais catalã na Catalunha. No Nepal, a língua de sinais nepalesa foi inscrita na constituição de 2015 e, em seguida, reconhecida na legislação geral sobre deficiência em 2017. No Canadá, a Lei Canadense sobre Acessibilidade (accessibility Act), adotada em 2019, reconhece a ASL, a LSQ e as línguas de sinais indígenas como línguas primeiras das pessoas surdas. Mais recentemente, na Itália, a língua de sinais italiana foi oficialmente reconhecida em 19 de maio de 2021. Todavia, no que diz respeito à LSF na França e à ASL nos Estados Unidos, nenhuma informação precisa sobre o reconhecimento legal é indicada no site da FMS.
Cinco entrevistas gravadas em vídeo foram realizadas entre novembro de 2023 e fevereiro de 2024, em língua de sinais estadunidense (ASL), língua de sinais francesa (LSF) e em língua de sinais internacional (SI) via Zoom. Após a tradução dos resultados para o francês e para o inglês por meio de transcrições, uma análise temática permitiu identificar os principais desafios.
As pessoas entrevistadas puderam optar por tornar pública a sua identidade, utilizando o nome completo ou apenas o primeiro nome, ou permanecer anônimas, de acordo com a abordagem participativa da Cátedra de Pesquisa do Canadá sobre a cidadania cultural das pessoas surdas. Esta abordagem reflete uma mudança de paradigma no reconhecimento das contribuições dos grupos minorizados. De fato, o “Conselho de Pesquisa em Ciências Humanas do Canadá (CRSH) [...] incentiva a comunidade de pesquisadoras/es a considerar a possibilidade de divulgar a identidade das pessoas que participam de uma pesquisa, quando estas consentirem. Isso permite reconhecer sua contribuição para a construção do conhecimento” (Leduc et al., 2020, p. 20). Os nomes com um asterisco * indicam pseudônimos atribuídos às pessoas entrevistadas que desejaram permanecer anônimas.
As citações que aparecem na próxima seção correspondem a traduções das línguas de sinais (LSF, SI e ASL) para o francês escrito, a fim de contribuir para a produção e a acessibilidade do saber francófono. Cada citação foi aprovada pelas pessoas participantes.
Apresentação e discussão dos resultados
Os resultados do nosso estudo revelam várias questões relacionadas à ética da pesquisa e aos desafios enfrentados por pesquisadoras/es e estudantes surdas/os no meio acadêmico. Além disso, destacam a existência de uma forte assimetria de poder, em função do status de estudante, de pesquisadora/or ou de docente. A análise temática revelou que a grande maioria das pessoas entrevistadas enfrenta desafios de opressão sistêmica, o que lhes impõe uma forma de estresse minoritário no meio universitário, muitas vezes em detrimento de sua saúde mental.
A apresentação dos resultados e a discussão articulam-se em torno dos seguintes temas: autodeterminação linguística, sobrecarga mental e “taxa surda”, estresse minoritário e aculturação surda e, finalmente, acessibilidade sistêmica.
Autodeterminação linguística: um direito ainda contestado
Todas as pessoas entrevistadas destacaram o papel fundamental de intérpretes no sucesso de suas trajetórias acadêmicas e profissionais. Seus relatos indicam experiências recorrentes de disfunções institucionais relacionadas à gestão dos serviços de interpretação, o que impede a plena participação dessas pessoas nas atividades universitárias.
Em algumas universidades, a organização de intérpretes de língua de sinais é inteiramente definida por quem realiza o curso e constitui um ônus adicional. É o caso de Mona, doutoranda em Educação, que, ao longo de seus estudos, teve que recrutar e coordenar, em colaboração com docentes, os serviços de interpretação. Mais de trinta intérpretes diferentes atuaram, o que afetou tanto a qualidade da interpretação quanto a acessibilidade ao conteúdo das aulas, pois essas dimensões dependiam das competências linguísticas e da formação de quem exercia a função de intérprete:
Meus pensamentos, minhas opiniões e minha maneira de pensar, bem como minha maneira de falar [ou seja, a voz de quem interpreta], mudam cada vez que trabalho com uma/um intérprete diferente, o que muitas vezes cria mal-entendidos na comunicação. Preciso que certas condições sejam iguais, que eu tenha os mesmos direitos e que possa estudar normalmente, como as demais pessoas. (Mona)
Ela explica como se traduz a incompreensão por parte da sua universidade quanto à necessidade de uma interpretação precisa e adequada ao jargão universitário, correspondendo ao rigor do curso de doutorado: “A universidade não compreende essa situação, pensa que, ao contratar uma/um intérprete, está respondendo a todas as minhas necessidades. Intérpretes não são ‘inteligências artificiais’, não são iguais” (Mona).
Participante de outra entrevista em grupo, Arjun, doutorando em Linguística de Línguas de Sinais, relata uma situação semelhante, em que sua universidade se mostrou relutante em assinar um contrato com um intérprete independente. A instituição argumentou que essa forma de proceder entrava em contradição com suas políticas financeiras, que determinam que seus contratos sejam realizados apenas com organizações ou empresas. A persistência dessa incompreensão das necessidades específicas de pesquisadoras/es e estudantes surdas/os levou Arjun a negociar com a administração da universidade, conseguindo finalmente convencê-la a reconsiderar sua posição:
Eles acharam que o problema estava resolvido depois de terem assinado [o contrato de trabalho para intérpretes], mas não conheciam as minhas necessidades específicas. Não compreenderam as minhas dificuldades. Então, tive que negociar com eles, explicar minhas necessidades para que fossem flexíveis, conseguir uma exceção, uma autorização especial para o meu caso, para assinar [me expressar em língua de sinais] com o intérprete de minha escolha. E, finalmente, ficou tudo bem. (Arjun)
A escolha de intérpretes tem um efeito imediato na trajetória acadêmica e no reconhecimento pelos pares. Anastasia Lekontseva, estudante de mestrado em Design, Comunicação Visual e Multimídia, destaca a importância de escolher bem quem interpreta para garantir uma experiência positiva. Durante a entrevista, ela explicou os impactos negativos que sofreu quando lhe foi designada uma pessoa para interpretar cujo nível não era adequado às exigências do curso, o que influenciou a percepção de estudantes e docentes em relação a ela: “Isso teve um impacto enorme na forma como estudantes e professoras/es me viam. Eu me sentia inferior a todas as pessoas por causa das competências linguísticas de quem interpretava” (Anastasia Lekontseva).
Anastasia também relatou um incidente específico relacionado a uma universidade europeia onde estudou. Ela tinha um intérprete que não possuía o nível de competências exigido e solicitou à secretaria de atendimento a estudantes com deficiência que o substituísse. Quando o intérprete tomou conhecimento de seu pedido, ele respondeu: “Sinto muito, mas não posso adaptar a interpretação ao seu nível”. Para essa participante, isso deu a entender que ela era o problema e que “seu nível” não era digno da cultura daquela universidade. Embora a universidade tenha intervindo e resolvido a situação, Anastasia insiste que tais situações nunca deveriam ocorrer.
Nesse sentido, Maxime*, docente, levanta a delicada questão da contratação de intérpretes:
Quem seleciona as/os intérpretes? Como [a organização] não é bilíngue [língua oral e língua de sinais], ela não tem como saber se a interpretação é adequada. As pessoas parecem acreditar que a interpretação é apenas uma simples transliteração e que, portanto, pode ser feita por qualquer pessoa bilíngue. Devido a essa ideia errada, a organização acredita que, se contratou alguém para interpretar e lhe paga, está cumprindo sua obrigação legal de acomodação. No entanto, a interpretação não se resume ao conhecimento das duas línguas. O acesso não é garantido se a interpretação for inadequada. Mesmo a pessoa surda não pode saber com certeza se sua confusão se deve à dificuldade do assunto ou à má qualidade da interpretação. (Maxime*)
Acrescenta que as condições precárias de trabalho, como as de docentes em período de estágio probatório ou que ainda não têm estabilidade no emprego, tornam mais difícil a possibilidade de se expressar, especialmente quando se trata de sinalizar um problema ou fazer valer suas necessidades. Maxime* lembra os privilégios associados à titularidade: “Uma pessoa em situação precária pode hesitar em dizer que está confusa [com a interpretação em língua de sinais], de modo que a má interpretação nunca seja sinalizada”.
Mélanie compartilha uma experiência semelhante que confirma a importância do privilégio de estatuto. Essa estudante de Arte e Sociologia viu a dinâmica de poder evoluir quando se tornou doutoranda. Ela explica:
Tenho muita sorte com as/os intérpretes, porque, no contrato de doutorado, não tenho o estatuto de estudante, mas sim de funcionária da minha universidade. Portanto, tenho uma função na universidade, o que significa meios financeiros mais amplos e acessíveis. No início [como estudante], eu não tinha escolha quanto à/ao intérprete, era o setor encarregado do apoio às pessoas com deficiência que escolhia, e houve muitos problemas [...]. Então, expliquei-lhes que era melhor eu mesma escolher as/os intérpretes e que eles enviassem a fatura para evitar complicações administrativas. (Mélanie)
Essas múltiplas barreiras contribuem para restringir o acesso acadêmico e impor uma sobrecarga mental invisível, mas muito real. Essas experiências revelam formas de opressão — audismo e linguicismo sistêmicos — que contribuem para a sub-representação de pesquisadoras/es surdas/os por meio de obstáculos linguísticos e de falta de acessibilidade estrutural nos meios de pesquisa. Esses obstáculos, ainda presentes, provocam disparidades institucionais, o que explica o baixo percentual de pessoas surdas com diploma universitário nos Estados Unidos, conforme relatado por O’Brien e Emery (2014). Embora esse estudo seja antigo, suas conclusões continuam atuais. Além disso, as línguas de sinais ainda são vistas como inferiores e continuam a sofrer com a falta de reconhecimento adequado nos âmbitos executivo e legislativo (Murray et al., 2023). Apesar do reconhecimento oficial do status linguístico por vários Estados, esse direito permanece amplamente teórico.
A questão da interpretação entre línguas orais e línguas de sinais insere-se num desafio mais amplo: o das disparidades institucionais que causam sobrecarga mental e penalidades para as pessoas surdas, o que constitui uma forma de “taxa surda”.
Persistência das disparidades institucionais: sobrecarga mental e “taxa surda”
Participantes relatam disparidades na forma como as universidades atendem às necessidades de estudantes e pesquisadoras/es surdas/os. Essas diferenças afetam tanto a qualidade dos serviços de interpretação quanto as comunicações internas e o acompanhamento individualizado. Na ausência de um quadro unificado, o apoio oferecido depende frequentemente do grau de sensibilização e de sensibilidade da equipe responsável, tornando a experiência das pessoas surdas muito variável.
Marta Muñoz Siguenza, estudante de mestrado em Direito na Espanha, frequentou duas universidades e notou diferenças significativas na forma como as pessoas surdas são recebidas:
De acordo com a minha experiência em duas universidades diferentes, os regulamentos e os procedimentos eram os mesmos, mas a atitude da equipe administrativa era diferente. Em uma delas, essa equipe tinha uma atitude claramente paternalista e discriminatória; na outra, o acolhimento das pessoas surdas era muito mais positivo, empático e proativo. Isso mostra que o sucesso das medidas de acessibilidade depende em grande parte do envolvimento, da empatia e da formação da equipe administrativa. (Marta Muñoz Siguenza)
Anastasia também destaca a ausência de um verdadeiro diálogo com as pessoas surdas na implementação das medidas de equidade. Sua universidade propôs soluções que ela considera inadequadas, embora a instituição alegasse compreender as necessidades das pessoas surdas. Ela relata as palavras da pessoa responsável pelo setor de apoio às pessoas com deficiência: “Ah, nós sabemos do que você precisa: um microfone especial para conectar ao seu sistema FM, etc.” Anastasia ficou desconcertada: “Eles já tinham decidido o que eu precisava, sem sequer me consultar. Isso é confuso”. Como explica Marta, não basta prestar um serviço às pessoas com deficiência:
Como podemos ver, mesmo que as universidades ofereçam serviços de apoio, a qualidade desses serviços depende, em grande parte, da atitude da equipe administrativa da instituição. A simples existência de programas destinados a estudantes com deficiência não garante que sejam bem concebidos ou corretamente implementados. (Marta)
A estudante reivindica uma garantia de acessibilidade igualitária desde o início e convida a universidade a se preparar para responder adequadamente a essas necessidades de adaptação.
Como salienta Octavian Robinson, as universidades deveriam dar especial atenção às formas de melhor atender às pessoas surdas, “zelando para que seus serviços sejam atualizados e adaptados às necessidades desse público”, ao mesmo tempo em que insiste na importância de que elas se mostrem abertas e flexíveis. Para Mona, “a universidade deveria ser uma aliada e não deixar o corpo discente sem apoio nesse processo”.
Outro fator de iniquidade reside na questão do financiamento dos serviços de interpretação e tradução. Mélanie relata as dificuldades que teve de superar para obter medidas de equidade adequadas. Ela conta que sua universidade só arcou com a interpretação de algumas de suas aulas ou de certas informações, mas que isso não era suficiente:
Quando se trata de traduzir da LSF para o francês — por exemplo, para transcrever entrevistas em LSF ou para ministrar aulas para ouvintes não sinalizantes —, é difícil obter financiamentos. O setor de apoio às pessoas com deficiência tem, basicamente, a função de me ajudar a acessar as informações fornecidas pela universidade. Porém, quando se trata de produzir conhecimento na minha língua, os financiamentos são praticamente inexistentes. (Mélanie)
Os resultados da pesquisa revelam várias disparidades institucionais que se traduzem em uma sobrecarga mental para as pessoas surdas. Nesse sentido, Leeson et al. (2016) observam que os custos de interpretação podem representar uma parte substancial do orçamento dos projetos de pesquisa e, assim, gerar uma complexidade administrativa para as pessoas que precisam cuidar disso sozinhas.
Nesse contexto, as experiências relatadas por participantes podem ser analisadas sob o prisma da “taxa surda” (deaf tax), um conceito desenvolvido com base na “taxa das minorias” (minority tax) (Rodríguez et al., 2015). Este último designa “as responsabilidades adicionais impostas a docentes pertencentes a minorias em nome dos esforços para alcançar a diversidade” (Rodríguez et al., 2015, p. 1). A “taxa surda” refere-se, portanto, mais especificamente aos custos emocionais, sociais e práticos que as pessoas surdas enfrentam devido à sua surdez ou ao audismo sistêmico (Aldalur et al. 2022).
Esses elementos, embora invisíveis nas formas clássicas de avaliação da qualidade do ensino e dos trabalhos de pesquisa universitária, têm um impacto direto na concentração, na disponibilidade mental e na progressão das carreiras. Fabrice Bertin, doutor em História pela Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS) de Paris, menciona a complexidade da gestão das medidas de equidade e do isolamento:
Temos sempre que nos justificar, explicar… Elas [as pessoas ouvintes] se concentram na pesquisa, enquanto nós temos que lidar com várias tarefas ao mesmo tempo e, além disso, há o isolamento... Sim, muitas vezes ficamos em isolamento, e isso é realmente grave. (Fabrice Bertin)
Mélanie compartilha dessa experiência de isolamento no ambiente da pesquisa:
Cometi o erro de escolher uma universidade onde não há estudantes de doutorado surdas/os sinalizantes. Minha saúde mental sofreu com esse isolamento. Portanto, é essencial cercar-se de pessoas surdas ou sinalizantes. (Mélanie)
Ao isolamento, somam-se a pressão e o tempo adicionais necessários para realizar as tarefas acadêmicas. Nesse sentido, uma professora confidenciou que passava muitas horas verificando a disponibilidade de um intérprete e garantindo que ele tivesse as informações necessárias para seu trabalho. O trabalho necessário para cumprir a obrigação legal do empregador de acomodar a pessoa empregada recai essencialmente sobre a própria pessoa surda. Quando calculou o número de horas necessárias para essa tarefa, chegou a um número equivalente à preparação e ministração de um curso inteiro:
Com base nessa informação, meu reitor concordou em eliminar uma disciplina da minha carga horária. O reitor preferiria que existisse uma fórmula sistemática para a adaptação, mas estava disposto a fazer um ajuste individual enquanto se aguardava a sua implementação. (Maxime*)
Emma*, docente, destaca que essa exigência de desempenho permanente é frequentemente internalizada:
Todas essas pessoas [estudantes de doutorado surdas/os] têm um nível de competência extremo, são “superqualificadas”, “excepcionais”. [...] [Em nosso país], para obter um doutorado, as pessoas surdas precisam ser “super-heróis”, estrelas. Em comparação, as pessoas ouvintes podem ser medianas, podem pertencer a uma “continuidade” (no sentido intelectual e educacional do termo). Elas não precisam ser muito qualificadas para se tornarem super-heróis etc. Elas podem ter sucesso sem isso. Não é justo. (Emma*)
Esse desequilíbrio estrutural também se insere em um contexto de desconhecimento geral das realidades linguísticas e sociais específicas das pessoas surdas. Estima-se que mais de 90% das crianças surdas nascem em famílias ouvintes, o que significa que a língua de sinais nem sempre é transmitida naturalmente (Bedoin, 2018; Ladd, 2003). A orientação majoritária para modelos médicos ou tecnológicos de “compensação” ou de “reparação” da surdez (Bedoin, 2018; Ladd, 2003; Meynard, 2010) contribui para invisibilizar as necessidades específicas das pessoas surdas em termos de acessibilidade linguística.
Essas fraturas linguísticas muitas vezes dificultam o reconhecimento das necessidades de interpretação ou de medidas de equidade, que continuam sendo mal compreendidas ou insuficientemente consideradas. Esses elementos contribuem para gerar uma sobrecarga mental que se insere em um clima mais amplo de vulnerabilidade. É nesse contexto que noções como estresse minoritário e estresse de aculturação permitem esclarecer as experiências das pessoas surdas no meio acadêmico.
Estresse minoritário e aculturação surda: a carga invisível das pessoas surdas no meio acadêmico
As opressões sistêmicas não resultam simplesmente do efeito de um ambiente inadequado às necessidades de cada pessoa: elas são o produto de um sistema audista e linguicista, que não reconhece nem a diversidade de perfis das pessoas surdas, nem as línguas de sinais como línguas de pleno direito na produção de conhecimento acadêmico. Essa tensão constante entre as exigências de desempenho e os recursos de produção para enfrentá-las corresponde ao estresse minoritário, conforme definido por Meyer e exposto na seção teórica.
Uma doutoranda relata uma situação que ilustra essa dificuldade: após preparar uma aula sobre interseccionalidade e deficiência, quem estava responsável pela interpretação, apesar do aviso prévio, cancelou sua presença no último momento. A pessoa encarregada da interpretação respondeu à doutoranda, em pânico: “Mas você pode falar, coloque seus aparelhos auditivos, isso basta”. Essa resposta, percebida pela participante como uma negação de sua identidade surda, revela a exigência implícita de adaptação constante que lhe é imposta como pessoa surda, ao mesmo tempo em que deixa transparecer o custo emocional decorrente de um ambiente que tem dificuldade em reconhecer a complexidade das trajetórias das pessoas surdas. Essa experiência ressoa com o que Aldalur e Lawrence H. Pick (2022, 2023) chamam de estresse de aculturação surda. Essa noção descreve a maneira como as pessoas surdas precisam constantemente navegar entre dois mundos: o da cultura surda e o da cultura ouvinte. Essa aculturação, muitas vezes forçada, produz uma tensão identitária permanente, segundo essas autorias. As pessoas surdas adotam, assim, estratégias diferenciadas de integração, separação, assimilação ou marginalização, em função de suas interações e das expectativas sociais.
Maxime* relatou os desafios encontrados ao se candidatar a vários cargos de pesquisa:
Recebi várias recusas para cargos, tive o acesso a um intérprete negado durante toda ou parte da entrevista, fui alvo de perguntas (ilegais) como: “Se a gente te contratar, também teremos que contratar ELA [a intérprete]?”. Decidi que precisava tentar passar por uma pessoa com deficiência auditiva se quisesse conseguir um emprego. Mas os cargos de docentes têm um período de experiência muito longo. (Maxime*)
A necessidade permanente de justificar a legitimidade de suas necessidades constitui um dos mecanismos mais insidiosos do estresse minoritário: o indivíduo não se depara simplesmente com obstáculos, ele precisa constantemente explicar, argumentar, demonstrar, e isso, às vezes, diante de interlocutoras/es que, longe de reconhecer a sobrecarga, a percebem como um esforço “normal”. Alguns relatos também salientam que essa exigência constante de justificação perante a maioria não se deve apenas à surdez, mas também à interseção de outras identidades, como o fato de ser mulher num ambiente patriarcal. Nesse contexto, é essencial ter pessoas aliadas: “Ter pessoas aliadas significa que não preciso me justificar”, explica Emma.
Dominique*, estudante de doutorado, compartilhou sua opinião sobre essa exigência de sempre ter que justificar as necessidades de acessibilidade:
Às vezes, tenho a impressão de que eles querem incluir as pessoas surdas para mostrar à sociedade que estamos aqui, que temos potencial. Mas, na realidade, sofremos muita pressão, muito estresse, porque muitas vezes temos apenas um intérprete. [...] Somos nós que temos que lidar com o estresse da acessibilidade das interações, sem ter a liberdade de recorrer a outras opções em caso de problema. (Dominique*)
Essa situação revela a discrepância entre as expectativas acadêmicas e a realidade vivida por estudantes surdas/os no ensino superior. Por trás do reconhecimento simbólico das pessoas surdas na universidade, esconde-se uma falta de compreensão dos mecanismos estruturais que reforçam sua marginalização. O testemunho de Mona destaca a impotência diante das estruturas dominantes quando ela relata sua experiência com o serviço de apoio às pessoas com deficiência. De fato, embora esse serviço consulte as pessoas surdas desde o início de sua trajetória universitária a respeito de suas necessidades, ele falha em levá-las em consideração, atendê-las ou respeitá-las de forma adequada. Como resultado, Mona desistiu de solicitar ajuda, “porque eles [o corpo técnico e administrativo desse serviço] são impotentes para mudar o sistema ou produzir qualquer impacto”.
Além disso, Maxime assinala que não existe qualquer quadro ético que proteja as pessoas surdas contra pesquisas realizadas por pessoas ouvintes, ao contrário das políticas que regulam a pesquisa sobre grupos minoritários, como os povos indígenas. Esta situação impõe um fardo adicional a pesquisadoras/es surdas/os. Essa constatação é ilustrada por um exemplo retirado de sua experiência pessoal:
Integrantes do corpo docente me procuraram para ser objeto de suas pesquisas, participar de grupos de discussão, encontrar outras pessoas surdas ou até localizar intérpretes. Nunca pedem contribuições profissionais ou científicas sobre o conteúdo de suas pesquisas, mas apenas assistência administrativa ou dados que lhes permitam avançar em suas carreiras acadêmicas. (Maxime*)
As experiências compartilhadas nos relatos estão longe de ser incidentes isolados: elas revelam a existência de mecanismos de exclusão sistêmica, como audismo, linguicismo e a invisibilização dos direitos das pessoas surdas em suas trajetórias acadêmicas. O estresse resultante, seja ele minoritário ou de aculturação, é, portanto, estrutural, na medida em que se insere nas dinâmicas organizacionais das instituições acadêmicas por meio de relações de poder que contribuem para a reprodução desses mecanismos de exclusão.
É importante notar que essas dinâmicas não se limitam apenas às pessoas surdas. Com efeito, elas podem ser observadas em outros grupos marginalizados por meio de dinâmicas de opressão sistêmica semelhantes às descritas pelo grupo de participantes e podem se manifestar com características diferentes (acessibilidade arquitetônica, falta de conhecimento sobre neurodiversidade, etc.).
Além de documentar vários aspectos das opressões sistêmicas e do estresse minoritário, as pessoas participantes propuseram e compartilharam elementos cruciais para promover maior acessibilidade no ambiente universitário.
Rumo a uma acessibilidade sistêmica: possíveis soluções
Dentre as soluções que promovam uma acessibilidade sistêmica na universidade, o apoio de orientadoras/es ouvintes e a cobertura dos custos de interpretação por um sistema de financiamento equitativo são citados como elementos-chave para uma experiência positiva na trajetória universitária.
De fato, parte do grupo de participantes teve experiências mais positivas graças ao empenho de orientadoras/es sensíveis às suas necessidades. Dos onze participantes, três relataram uma situação satisfatória a esse respeito. Marta Muñoz Siguenza, Octavian Robinson e Mona especificaram que suas situações são “excepcionais” ou consideram-se “com sorte” por terem tido uma orientação compreensiva:
Sabiam que eu precisava de pelo menos uma pessoa com quem pudesse me expressar na minha língua. Meu orientador acolheu outro aluno que dominava perfeitamente a língua de sinais americana, que era ouvinte, mas estava imerso na comunidade surda (Octavian Robinson, professor da Universidade Estadual de Ohio e diretor do Centrer for ASL e Deaf Equity).
Este último elogia a universidade por reconhecer suas necessidades e lhe atribuir um parceiro de trabalho ouvinte, competente em ASL, o que lhe possibilitou progredir em sua trajetória no doutorado. Na mesma linha, Mona acredita que ter uma orientadora compreensiva contribuiu para seus êxitos: “Ela compreende perfeitamente as minhas pesquisas, o que facilita muito o meu trabalho e me permite avançar com serenidade.”
Marta compartilha de um sentimento semelhante, explicando que sua orientadora de mestrado se informou sobre a surdez:
Minha orientadora já verificou o que significa “Surdo” [com letra maiúscula], e fez isso de forma espontânea. É muito importante que a pessoa que me orienta leia e se informe sobre o tema, que compreenda o que é o audismo ou o que significa ser uma pessoa surda, para que eu não tenha que explicar. (Marta)
Essas situações continuam sendo excepcionais: ainda há muito trabalho de conscientização a ser feito para que as pessoas que trabalham no meio universitário estejam mais bem informadas e possam colaborar de forma mais justa, equitativa e satisfatória com as pessoas surdas.
As barreiras financeiras e linguísticas afetam quase todos os países e não são um fenômeno exclusivo de uma região geográfica. A este respeito, Mona, que estudou na Finlândia, relata a eficácia do sistema finlandês, que considera exemplar. Ela explica que o governo finlandês se encarrega do financiamento dos serviços de interpretação, o que, na sua opinião, permite evitar “muitas disputas sobre a repartição dos custos”. A língua de sinais finlandesa foi legalmente reconhecida em 1995 (lei 1995/969) e a língua de sinais fino-sueca em 2015, pela Lei relativa às línguas de sinais (FMS, 2025).
Com base no exemplo da Finlândia e na cobertura dos custos dos serviços de interpretação pelo governo, Maxime* recomenda que o custo das medidas de equidade relacionadas à interpretação seja financiado nacionalmente:
Embora todas as universidades tenham o mesmo dever de adaptação, o fato é que poucas delas contrataram docentes surdas/os. A menos que fundos adicionais sejam alocados para essas universidades, cria-se uma penalidade financeira para a contratação de docentes surdos, obrigando-as a retirar fundos de outros programas para cobrir as necessidades de adaptação. (Maxime*)
Além desse aspecto financeiro, a falta de adaptações também continua a limitar a plena participação das pessoas surdas na produção científica (Wilson & Winiarczyk, 2014). Essa exclusão tem implicações éticas profundas, questionando a eficácia da justiça social em um mundo de pesquisa amplamente dominado por pesquisadoras/es ouvintes.
Em suma, a maioria das pessoas entrevistadas destacou a necessidade de mudanças significativas para tornar a acessibilidade sistemática no meio universitário, oferecendo mais formação aos diversos agentes do mundo universitário e convidando as instituições a assumirem mais responsabilidade na implementação das suas políticas de acessibilidade e de inclusão.
Conclusão
Realizada em 2024-2025, a pesquisa “Elaborar diretrizes em ética de pesquisa com pessoas surdas” permitiu explorar as principais lacunas e os desafios nas práticas atuais de pesquisa com pessoas surdas, além de identificar os aspectos éticos importantes para realizar pesquisas com pessoas surdas e de criar diretrizes para a pesquisa com pessoas surdas. Em complemento ao relatório de pesquisa (Bajard et al., a ser publicado em 2026) e a outro artigo científico (Abdelmoumeni et al., no prelo com previsão para 2025) que abordam outros aspectos do projeto, este artigo concentrou-se mais especificamente nos principais desafios enfrentados por pesquisadoras/es surdas/os em ambientes universitários, particularmente no que diz respeito à opressão sistêmica e ao estresse minoritário.
A revisão da literatura destaca os requisitos necessários para conduzir uma pesquisa equitativa envolvendo pessoas surdas. Assim, os trabalhos de O’Brien (1992) e Harris et al. (2009) sugerem repensar os quadros epistemológicos e metodológicos a fim de considerar as relações históricas de opressão e de marginalização. Isso pode ser associado à “epistemologia surda” de Hauser (2008), que, segundo ele, “não pode ser compreendida sem reconhecer a onipresença do audismo e seu impacto sobre as pessoas surdas” (p. 490). As pesquisas participativas e comunitárias, frequentemente recomendadas por autoras/es como Singleton (2017) e McKee (2013), permitem envolver ativamente participantes surdas/os, bem como pesquisadoras/es surdas/os ou ouvintes, valorizando as competências culturais e adotando uma atitude humilde diante da complexidade intercultural (McKee et al., 2013), uma vez que reconhecem seus limites e privilégios, ouvem mais as comunidades surdas e adaptam suas práticas às necessidades e às experiências das pessoas participantes.
No entanto, embora essas abordagens contribuam para uma maior equidade na pesquisa, elas abordam apenas parcialmente outros obstáculos importantes. De fato, as questões financeiras relacionadas às medidas de equidade, como a interpretação e a sobrecarga emocional e mental vivida pelas pessoas surdas, continuam sendo pouco discutidas na literatura, apesar de constituírem obstáculos importantes apontados pelo grupo de participantes. Nosso trabalho demonstra que as pessoas surdas enfrentam dificuldades significativas de integração no meio acadêmico devido ao desconhecimento da cultura surda e à falta de medidas de equidade nos meios ouvintes dominantes, o que as obriga a dedicar muito tempo a tarefas administrativas.
Este estudo permitiu identificar pistas enriquecedoras, bem como novos termos e conceitos que surgiram durante a análise das entrevistas com o grupo participante, tais como o estresse minoritário e a “taxa surda”. Essas experiências emergiram de seus depoimentos e revelam aspectos frequentemente negligenciados nas considerações práticas.
A inadequação das estruturas universitárias às realidades linguísticas e culturais das pessoas surdas ainda é bastante ignorada pelas administrações. Além disso, a gestão do tempo por parte de pessoas surdas no meio universitário, particularmente no que diz respeito ao “tempo perdido” induzido pela lentidão institucional numa sociedade produtivista, requer uma atenção especial. Esse fenômeno insere-se em uma crítica mais ampla às normas temporais dominantes, que ecoa a teoria das “temporalidades de pessoas com deficiência” oriunda da teoria crip (crip time). Essas temporalidades questionam as exigências de produtividade, eficiência e linearidade, revelando as lógicas capacitistas em ação nas instituições universitárias (Kafer, 2013; Leduc et al., 2020; Sheppard, 2020).
Mobilizar o conceito de “temporalidades de pessoas com deficiência” para repensar as temporalidades surdas permitiria, ao mesmo tempo, tornar visíveis experiências frequentemente relegadas à margem e questionar em profundidade a organização temporal das instituições universitárias. Essa perspectiva crítica da temporalidade normativa ouvinte permitiria, possivelmente, valorizar uma ética do cuidado, da atenção e da sustentabilidade. Nessa ótica, Moya Bailey (2021) propõe uma “ética do ritmo” ou “ethic of pace”, que preconiza a adoção de um ritmo lento e sustentável para resistir aos imperativos capitalistas. Ela escreve: “Precisamos mudar de rumo e modificar a forma como nos relacionamos uns com os outros. Precisamos desacelerar para sobreviver” (Samuels & Freeman, 2021, p. 296).
As temporalidades de pessoas com deficiência constituem uma proposta epistemológica e política promissora para encarar o tempo de outra forma no mundo universitário, numa perspectiva mais ética. Isso permitiria, possivelmente, levar em consideração a diversidade dos corpos, das identidades e dos ritmos de vida, em vez de exigir constantemente que todas as pessoas se adaptem a uma normatividade temporal capacitista e audista, muitas vezes em detrimento da saúde mental de pesquisadoras/es e estudantes surdas/os.
Agradecimentos
Agradecemos calorosamente ao grupo de participantes pela confiança e pelo compromisso com esta pesquisa. Nossos agradecimentos também vão para a equipe da Cátedra de Pesquisa do Canadá – Sara Houle, Sarah Heussaff, Marieke Hassell-Crépeau, Sendy-Loo Emmanuel e Marie Achille – pela revisão do texto, bem como às/aos avaliadoras/es por seus comentários construtivos. Agradecemos o apoio financeiro do Programa das Cátedras de Pesquisa do Canadá e do Programa de Auxílio Financeiro à Pesquisa e à Criação da UQÀM (PAFARC). Por fim, saudamos o envolvimento e a determinação de nossa equipe de pesquisa, fatores-chave para a concretização deste projeto.
